SOBRE O USO DO SABÃO

SOBRE O USO DO SABÃO

 

José Fernandes de Lima[1]

 

Certa vez, perguntado sobre o rigor que adotava nos seus processos de escrita, Graciliano Ramos afirmou: “Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxaguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar.

Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa.  Palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer”.

Com essa comparação, Graciliano quis mostrar que o processo de escrita deve ser rigoroso como é rigoroso o trabalho das lavadeiras.

Ainda hoje, as donas de casa que não possuem máquinas elétricas de lavar roupa continuam gastando um tempo significativo com a tarefa de lavagem de roupa. Há até algumas que têm esse trabalho como profissão. 

A água é usada para limpar a maioria das sujeiras. Você coloca água na sujeira, a sujeira é dissolvida na água e quando a água vai embora, arrasta a sujeira com ela.

Isso funciona para alguns tipos de sujeira e não funciona para outros porque esse processo requer que a sujeira seja solúvel em água.

A água é uma substância polar, ou seja, suas moléculas têm um lado mais eletricamente negativo do que o outro. As substâncias que também são polares são facilmente dissolvidas na água e por isso são fáceis de ser carregadas. As sujeiras que não são solúveis na água não são eliminadas só com água.

Um exemplo de substância que não se dissolve na água é a gordura. Se você tem um prato sujo de gordura e tenta limpar jogando água, você vai ter dificuldade. A mesma coisa acontece com um tecido engordurado. Você coloca de molho um tempão e ele continua engordurado.

Aí, você tem que apelar para o sabão ou para o detergente.

A técnica de fabricação de sabão é antiga e há pessoas que sabem produzir sabão caseiro a partir de vários tipos de gordura animal ou vegetal. É possível encontrar na internet receitas para fabricação de sabão a partir de leite, de óleo de cozinha usado, de sebo de boi, sempre somados à uma base forte (soda cáustica – NaOH ou potassa cáustica - KOH). O sabão feito com soda caustica é um sabão “duro” e o feito com potassa caustica é pastoso. 

A produção do sabão é feita por meio da reação de saponificação, que consiste na hidrólise básica de lipídeos (triglicerídeos), mediante a adição de uma base forte e facilitada pelo aquecimento. 

Para produzir uma reação de saponificação, nós precisamos juntar um triglicerídeo (gordura ou óleo) com uma base forte (soda cáustica, ou potassa cáustica) e água. 

Ao hidrolisar o triglicerídeo, produz-se um álcool e um ácido carboxílico. A reação do ácido carboxílico com a base forma um sal orgânico, que nós chamamos sabão. 

 

E como é que o sabão ajuda a fazer a limpeza?

A molécula do sabão tem um formato como se fosse o formato de um prego. O corpo do prego é apolar e a cabeça é polar. A parte polar tem facilidade de se ligar com a água e a parte apolar tem facilidade de se ligar com a gordura.

Quando você joga o sabão numa camada de gordura de um tecido ou de um prato, o corpo do prego se une às moléculas de gordura, deixando as cabecinhas para fora. Isso quebra a gordura em pedaços cada vez menores. Depois disso, as cabecinhas de prego que são polares se ligam com as moléculas de água, que também são polares, de tal forma que quando a água vai embora, leva a gordura com ela.

Em outras palavras, o papel do sabão é esfarelar a gordura e fazer com que ela se ligue com a água e vá embora com ela. Esse comportamento descrito para o sabão vale também para o detergente.

Há uma coisa interessante sobre a sujeira de gordura que é a cor. A sujeira de gordura é, em geral, amarelada. Isso se dá porque a gordura absorve a luz azul.

A luz branca é a mistura de todas as cores. Se o objeto retém a cor azul, o resto que é refletido dá a sensação do amarelo.

Por isso, se você tem um tecido que está amarelado por causa da gordura e você quer que ele fique mais branquinho, você tem dois caminhos. O primeiro é remover toda a gordura causadora do amarelo. O segundo caminho é colocar um pouco de tinta azul para que o tecido também reflita o azul. Isso acontece porque juntando aquelas cores que produzem o amarelado com o novo azul vai resultar na sensação do branco.

Aquelas lavadeiras antigas citadas por Graciliano já conheciam essa informação e usavam anil para o branqueamento das roupas. 

Os fabricantes de sabão em pó também sabem disso e já colocam as bolinhas azuis na própria mistura do sabão.

 



[1] Professor Emérito da UFS, Presidente da Associação Sergipana de Ciência (ASCi) e membro da Academia Sergipana de Educação.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

SOBRE PLÁSTICOS E POLUIÇÃO

SOBRE TRANSPARÊNCIA E INVISIBILIDADE

SLOW FOOD