O valor do zero

O artigo abaixo foi publicado em 06 de julho de 2011 no Jornal sergipano O DIA
O VALOR DO ZERO
José Fernandes de Lima
Dias atrás, eu estava num restaurante quando um cidadão, numa mesa ao lado, falando em voz alta, referiu-se a um adversário político dizendo que o outro não valia nada e que era um verdadeiro zero.
A afirmação tinha o propósito de desqualificar o adversário e de reduzir o seu valor enquanto político.
Tendo ouvido aquela sentença, fiquei a imaginar sobre a pertinência daquela comparação e como uma coisa puxa outra, terminei rememorando um pouco da história do zero.
O sistema de numeração que nós utilizamos faz uso de dez símbolos que representam os dez algarismos os quais, arranjados em sequências diferentes, dão conta de representar  todos os números que desejamos.
A idéia da contagem numérica teve início a partir de situações concretas e, em seguida, evoluiu para as abstrações. A contagem dos números 1,2,3,4,5...... tem início a partir da contagem de coisas reais tais como laranjas, bananas, bolas, livros,......
Observando dois cestos, um contendo 4 laranjas e outro contendo 4 bananas, verificamos que, não obstante as frutas sejam diferentes, há algo em comum entre os cestos. O que existe de  comum entre os cestos é o número de objetos que eles contêm. Essa “coisa” em comum que existe entre os dois cestos é o número de objetos neles contidos. É desse modo que nasce a contagem 1,2,3,4,......e assim por diante.
Que devemos dizer a respeito do número de objetos de um cesto se ele estiver vazio?
A idéia de associar um número com a inexistência de objetos surgiu tardiamente. O homem aprendeu a representar a presença de 1,2,3,..10 ou 20 objetos dentro de um cesto, mas demorou vários séculos para associar um número ao cesto vazio.
Se analisarmos o sistema romano de contagem verificaremos que aquele povo não tinha um símbolo específico para representar o zero, representar o nada ou a ausência das coisas.
O leitor deve estar lembrado que no sistema de algarismos romanos o I valia 1, o 2 era escrito como II, o V valia 5, o X valia 10  e assim por diante. A ausência de um símbolo específico para representar o zero consistia numa complicação a mais na hora de fazer as contas com esse sistema de numeração.
Inicialmente, o símbolo do zero foi inventado como uma espécie de marcador de posição e somente depois ele foi entendido como um número de verdade pelo matemático indiano Brahmagupta.
A entrada do zero no sistema de numeração só foi realmente aceita quando se chegou a um acordo sobre a sua forma de atuação nas operações aritméticas. A soma de zero com qualquer número preserva esse número, ou seja, zero somado com um número é igual a esse número. Exemplo: 0 + 4 = 4 + 0 = 4. A multiplicação de um determinado número por zero resulta sempre em zero. Como exemplo, temos: 7 x 0 = 0 e 0 x 7 = 0.
Uma novidade maior aparece quando tratamos da subtração. Zero subtraído de qualquer número é igual a esse número. Por exemplo: 4 – 0 = 0. No entanto, a inversão da ordem da subtração resulta no aparecimento de um conceito novo que é o conceito de número negativo. Por exemplo: 0 – 9 = -9. Esse último resultado corresponde a uma situação semelhante a de um indivíduo que não tem nada e ainda está devendo 9 unidades.
Na divisão temos que zero dividido por qualquer número é igual a zero. Por exemplo: 0 : 5 = 0.
O número que aparece em primeiro lugar é chamado de dividendo, o segundo é chamado de divisor e o resultado é chamado de quociente. O quociente é um número tal que multiplicado pelo divisor deve reproduzir o dividendo. No exemplo anterior poderíamos ter colocado 0 : 5 = a e perguntado qual é o número a que multiplicado por 5 é igual a 0? E encontraríamos a = 0.
A divisão de um número qualquer por zero resulta numa dificuldade porque, em princípio, não temos nenhum número que multiplicado por zero reproduza o dividendo. Por exemplo: se 6 dividido por zero é igual a b então b deve ser um número que multiplicado por zero seja igual a 6. Nós já dissemos acima que qualquer número multiplicado por zero é igual a zero. Como não há nenhum número que satisfaça essa condição dizemos que a divisão por zero resulta numa indefinição. Em outras palavras, a divisão por zero é indefinida, ou seja, não é permitida.
Para contornar essa situação, Bhaskara, outro matemático indiano, procurou dar um significado para a divisão por zero e sugeriu que a divisão de um número qualquer por zero é igual a infinito.
O raciocínio seguido por Bhaskara foi o seguinte: Se na medida em que vamos diminuindo o divisor, o resultado, ou seja, o quociente vai crescendo, então quando o divisor se aproximar de zero o resultado, o resultado, ou seja, o quociente se aproximará de um número muito grande, tenderá para o infinito. Desse modo, 7 : 0 = infinito do mesmo modo que 5: 0 = infinito. O símbolo usado para infinito é ∞.
Essa solução não é uma solução tão definitiva quanto a solução desejada porque o infinito não se comporta exatamente como um número no sentido de seguir as regras da aritmética.
Além desse problema, temos a situação de zero dividido por zero. Se 0 : 0 = n, quanto vale n? Em outras palavras, qual o número que multiplicado por zero dá zero? A resposta é: qualquer número. Na linguagem matemática, nós dizemos que zero dividido por zero é indeterminado.
O leitor pode está perguntando: porque não sumimos com esse tal de zero que complica tanto as contas? A resposta é: porque nós não conseguimos viver sem a noção do zero. A noção de zero está enraizada na nossa forma de pensar. Nós falamos de temperatura zero, de gravidade zero, de energia zero e até de zero hora e de marco zero.
A matemática já não consegue viver sem o zero. Além disso, outros conceitos semelhantes como o conceito de conjunto vazio fazem parte do dia a dia dos matemáticos.
Retornando a conversa que ouvi no restaurante, continuo sem saber se o oponente do meu vizinho de mesa merecia ou não a desqualificação que lhe foi imposta, mas de uma coisa eu estou convencido - o zero foi injustiçado naquela comparação.

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