O fim da escrita cursiva nos EUA

Divulgo esse artigo que saiu no blog do Luis Nassif porque o mesmo trata de um assunto que merece uma boa discussão.
O artigo foi originalmente publicado no jornal VALOR

Ensino americano abandona aos poucos a escrita em cursivo
Alex Ribeiro | De Washington
18/07/2011


O Estado de Indiana, localizado no Meio-Oeste americano, acabou com a exigência de que as suas escolas ensinem a escrita cursiva, aquele estilo de escrever em que as palavras são formadas com letras emendadas pelas pontas. Com isso, juntou-se a uma onda crescente nos Estados Unidos de privilegiar no currículo outras habilidades hoje consideradas mais úteis, como digitar textos em teclados do computadores.
Com a mudança, Indiana alinha-se a um padrão comum de ensino adotado por 46 Estados americanos. Nele, não há nenhuma menção à escrita cursiva, mas recomenda-se o ensino de digitação. É um reconhecimento de que, com as novas tecnologias, como computadores e telefones inteligentes, as pessoas cada vez menos precisam escrever de forma cursiva, seja no trabalho ou nas suas atividades do dia-a-dia. Basta aprender a escrever com a mão - exigência que ainda faz parte do currículo de Indiana e dos padrões comuns adotados pelos estados - seja com letras de forma, cursiva ou um misto dos dois estilos.
Também é um reflexo do que muitos nos Estados Unidos veem como uma sobrecarga no currículo escolar, com tempo sempre insuficiente para ensinar disciplinas consideradas fundamentais para passar nos testes usados para admissão nas faculdades, como matemática e leitura de textos. Pesquisas nacionais sobre como o tempo é gasto nas salas de aula mostram que 90% dos professores da 1ª a 3ª séries do ensino primário dedicam apenas 60 minutos por semana ao desenvolvimento da escrita com a mão.
A tendência de abandonar o ensino da escrita cursiva é vista com preocupação por parte dos americanos. Para alguns, as novas gerações terão mais dificuldades para fazer atividades básicas, como preencher e assinar cheques. Outros ponderam que os jovens não serão capazes de ler a declaração de independência no original, toda escrita de forma cursiva, num argumento que apela para o patriotismo americano.
Richard S. Christen, professor da Escola de Educação da Universidade de Portland, no Estado do Oregon, é um dos que dizem que as escolas devem pensar duas vezes antes de suspender o ensino da escrita cursiva, embora ele considere cada vez mais difícil defender a tese de que essa é uma habilidade com valor prático. 
"Se você voltar ao século XVII ou XIX, seria impossível fechar negócios sem os escrivãos, que foram cuidadosamente treinados na técnica de escrever com as mãos para registrar os fatos", disse Christen ao Valor. "Mas hoje o valor prático disso é bem menor."
Ele pondera, porém, que a escrita cursiva também tem um valor estético em si mesma e diz respeito a valores importantes como civilidade. "A escrita cursiva é um jeito de as pessoas se comunicarem com as outras de forma elegante, valorizando a beleza", afirma. "Essa é uma chance para as crianças fazerem algo com suas mãos todos os dias, prestando atenção para os elementos de beleza, como formas, contornos e linhas", afirma. Além disso, estimula as crianças a prestarem atenção na forma como se dirigem e se comunicam com as outras pessoas.
Para o professor Steve Graham, da Universidade de Vanderbilt, uma das maiores autoridades americanas no assunto, a questão central não é necessariamente a escrita cursiva, mas sim preservar o espaço para a escrita à mão de forma geral no currículo.
Apesar de todo o barulho em torno das novas tecnologias, a realidade, afirma ele aoValor, é que hoje a maioria das crianças nas escolas americanas ainda faz os seus trabalhos em sala de aula com as mãos, pois de forma geral ainda não existe um computador para cada uma delas. Num ambiente como esse, a boa grafia é crucial para o bom aprendizado e para o sucesso na vida acadêmica, ainda que no mundo fora das salas de aula predominem computadores, iPads e telefones inteligentes.
Pequisa recente conduzida por Graham mostra que, se trabalhos escolares ou provas são apresentados numa grafia sofrível, as notas tendem a ser mais baixas, a despeito do conteúdo. "As pessoas formam opiniões sobre a qualidade de suas ideias com base na sua qualidade de sua escrita", afirma Graham.
Nesse estudo, alunos escreveram redações, que foram submetidas em seguida a avaliações com notas entre 0 e 100. O passo seguinte foi pegar redações medianas, que tiveram nota 50, e reproduzir seu conteúdo em duas versões, uma com grafia impecável e outra com grafia sofrível, embora legível. Submetidas a uma nova avaliação, a conclusão é que a mesma redação mediana ganhou notas muito boas quando escrita com letras caprichadas e notas inferiores quando escritas com garranchos.
A habilidade de escrever à mão também tem influência sobre a capacidade da criança de produzir bons conteúdos na escrita. Velocidade é crucial. Quando a escrita se torna um processo automático, afirma Graham, as ideias fluem mais rapidamente do cérebro para o papel e, portanto, não se perdem no meio do caminho. Pessoas bem treinadas para escrever com as mãos fazem tudo de forma automática e não precisam pensar sobre o que ocorre com o lápis - e sobram assim mais neurônios para serem dedicados a coisas mais importantes, como refletir sobre a mensagem, organizar as ideias e formar frases e parágrafos.
São bons argumentos para não se abandonar o ensino da escrita à mão pela digitação. Mas qual técnica é mais importante: a cursiva ou a simples escrita à mão? Graham diz que a escrita em letras de forma é em geral mais legível do que a cursiva, mas a escrita cursiva é mais rápida do que a escrita em letra de forma. "As diferenças não são grandes o suficiente para justificar muito debate", disse. "O importante é ter um estilo de escrita à mão que seja ao mesmo tempo legível e rápido."
Mas no futuro, reconhece ele, o ensino da escrita à mão pode se tornar menos importante, à medida que ter um computador para cada aluno se torne algo universal. O ensino de digitação, por outro lado, torna-se cada vez mais relevante. "Eles são muito bons com seus telefones, com o twitter, mas não com os computadores", afirma Graham.

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