O átomo de Rutherford

Esse artigo foi publicado no Jornal O Dia

O átomo de Rutherford


O modelo atômico no qual o átomo é formado por um núcleo positivo rodeado por cargas negativas acaba de completar 100 anos. Foi em março de 1911 que Ernest Rutherford apresentou seu trabalho na Academia de Física.
A descoberta do núcleo atômico ocorreu quando Rutherford, depois de haver trabalhado no Canadá, já estava de volta à Inglaterra, trabalhando na Universidade de Manchester, onde montou um grande laboratório científico.   Rutherford estava estudando o comportamento das partículas alfa, juntamente com seu discípulo Geiger (o mesmo que desenvolveu o contador Geiger usado para detectar radiação), quando teve a idéia de utilizá-las como projéteis, para estudar o comportamento dos átomos.  O experimento consistia em bombardear uma película de ouro com partículas alfa, partículas positivamente carregadas, proveniente de uma fonte radioativa colocada nas proximidades da lâmina e em observar o ângulo de desvio das partículas após o choque com a película.  Geiger observou que os ângulos de espalhamento obtidos apresentavam valores maiores do que aqueles preditos pelo modelo atômico de Thomsom ( J.J Thomson - grande cientista inglês, descobridor do elétron. O modelo de Thomson considerava que as cargas positivas e negativas do átomo estavam misturadas como se fosse um pudim de passas no qual a massa do pudim representava a carga positiva e as passas incrustadas seriam as cargas negativas). Em outras palavras, as partículas estavam sendo espalhadas para todos os lados e isso não era uma surpresa.
Geiger comunicou esses resultados a Rutherford e, juntos, decidiram passar para Marsden, um estudante de iniciação científica que trabalhava sob a orientação de Geiger, a tarefa de repetir exaustivamente as medidas de espalhamento. (Essa prática de passar as tarefas repetitivas para os estudantes de iniciação científica continua comum nos dias atuais).
O aparato utilizado nesses experimentos consistia de uma fonte de partículas alfa, uma lâmina muito fina de ouro, uma chapa fluorescente e uma lupa.  Os experimentos eram feitos no escuro, e demandavam tempo e paciência.
Passados alguns dias, Geiger procurou Rutherford para comunicar que Marsden havia observado partículas alfa espalhadas com ângulos superiores a 90º, ou seja, que algumas partículas alfa haviam sido refletidas no sentido das fontes.  Dizem que Rutherford ficou visivelmente emocionado e chegou a afirmar que aquela era a notícia mais incrível que ele havia recebido em toda a sua vida.   Rutherford comparou o resultado obtido com o fato hipotético de efetuarmos um tiro de revólver numa folha de papel e verificarmos que a bala ricocheteou de volta.  Na realidade, as partículas, na sua quase totalidade, não sofriam nenhum desvio, enquanto que algumas delas eram fortemente desviadas.
Trabalhando com esses resultados e depois de muita conta, Rutherford chegou à conclusão que esse tipo de reflexão só seria possível se a carga positiva do átomo estivesse concentrada em uma região muito pequena. Partindo dessa constatação, propôs o modelo orbital no qual os elétrons responsáveis pelas cargas negativas estão continuamente girando em torno de um núcleo positivo que ocupa apenas um bilionésimo do volume do átomo.
Esse modelo trouxe informações sobre a estrutura interna do átomo e representou um grande avanço para o estudo da estrutura interna da matéria.
Além do desenvolvimento desse modelo atômico, Rutherford realizou diversos trabalhos importantes sobre o estudo da radiação e, no seu laboratório, formou um grande número de pesquisadores.
Ao lado de todas essas contribuições, a própria vida de Rutherford constitui-se num excelente exemplo de sucesso no campo da educação e da pesquisa.
Ernest Rutherford nasceu no dia 30 de agosto de 1871, na Nova Zelândia.  Seu pai James Rutherford era lavrador e construtor, e sua mãe Martha Rutherford, era professora.  Apesar da família numerosa (doze filhos, Rutherford foi o quarto) James e Martha não mediram esforços para dar uma boa educação aos seus filhos.  Segundo relatos de familiares, Rutherford desenvolveu o gosto pela ciência logo cedo.  Ainda muito jovem, demonstrava também uma grande habilidade para realização de trabalhos manuais.   Aos 16 anos, Rutherford ganhou a sua primeira bolsa de estudo para o Nelson College.  Por haver se destacado durante a sua passagem pelo Nelson College, Rutherford ganhou uma segunda bolsa, desta vez, para estudar no Canterbury College, onde recebeu o grau de bacharel e iniciou suas pesquisas sobre as ondas eletromagnéticas.
Em 1895, Rutherford participou de um concurso de ciência, cujo prêmio era uma bolsa que permitia escolher o centro onde ele quisesse estudar.  Foi classificado em segundo lugar, mas tendo em vista a desistência do primeiro, acabou recebendo o prêmio, e escolheu mudar-se para o laboratório Cavendish, em Cambridge, que naquela época era dirigido por J. J. Thomsom.  Chegando a Cambridge, Rutherford foi trabalhar com J.J. Thomsom, e em pouco tempo já havia adquirido grande prestígio entre os estudantes.  Por sugestão de Thomsom, estudou as alterações sofridas pelos gases em decorrência da passagem de um feixe de raios X, e verificou que essa passagem produz uma grande quantidade de partículas carregadas.  Estudando outros tipos de radiação, Rutherford identificou dois tipos distintos.  O primeiro, constituído de partículas positivas e que podia ser detido por uma lâmina muito fina de alumínio, foi chamado de radiação alfa, e o segundo, que para ser detido necessitava de uma lâmina  consideravelmente mais grossa, recebeu o nome de radiação beta.    Os raios gama, que se distinguem dos dois raios acima citados, entre outras coisas, por ser mais penetrante, foi descoberto em 1900 pelo físico francês Paul Villard.
Interessado em constituir família e necessitando de um emprego fixo, em 1900, Rutherford mudou-se para o Canadá para trabalhar na Universidade de McGill, em Montreal, onde juntamente com o químico Frederick  Soddy realizou grandes descobertas.  Durante o período que passou na Universidade McGill, Rutherford publicou mais de 80 trabalhos científicos.  Dentre as contribuições dadas por Rutherford nessa época, merece destaque a sua proposta do uso da quantidade de Hélio produzido pelo decaimento radioativo dos minérios para medir a idade da Terra.
Esse resumo da vida de Rutherford mostra, entre outras coisas, a importância da existência de um sistema de bolsas de estudo capaz de identificar e apoiar os bons alunos. Se não fosse por esse tipo de apoio a humanidade poderia ter perdido as contribuições desse grande pesquisador.
O sucesso de Rutherford é um atestado de que o talento pode ser encontrado em todas as classes sociais e que é muito importante que a sociedade tenha mecanismos que permitam identificar esses talentos e apoiá-los para que eles possam desenvolver todo seu potencial. Ao lado de promover a inclusão social, um sistema de bolsas de estudo bem conduzido proporciona o desenvolvimento das grandes inteligências capazes de contribuir para melhoria da sociedade como fez, tão brilhantemente, Rutherford.
* Físico e Educador -  José Fernandes de Lima

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