SOBRE VISÕES DE MUNDO

SOBRE VISÕES DE MUNDO 

José Fernandes de Lima[1]

Dentre as características do ser humano está o interesse de conhecer o mundo que o cerca. As formas utilizadas para o atingimento desse objetivo variam desde a interação direta com a natureza até a utilização de instrumentos teóricos experimentais de alta sofisticação.

Nem todos os conhecimentos adquiridos pelos indivíduos necessitam ser construídos desde o ponto zero. Nós podemos ser liberados da produção de determinados conhecimentos, uma vez que, eles podem ser aprendidos dos nossos antepassados. O fato de alguns padrões de conhecimento serem fornecidos pela tradição facilita a nossa vida e permite que nos concentremos em outros desafios. Do mesmo modo, uma parte do conhecimento que estamos produzindo agora será incorporada ao patrimônio cultural e será transmitida para as gerações futuras.

A escola desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da nossa visão de mundo. Os conhecimentos entendidos como culturalmente relevantes em determinado contexto histórico constituem o currículo a ser trabalhado pela escola que se encarrega de desenvolver formas eficientes de transmissão com vista ao crescimento individual do aluno e ao seu relacionamento social. 

O conhecimento científico trabalhado na escola decorre de uma seleção feita entre aqueles conhecimentos que obtiveram sucesso como explicação da natureza. Isso significa que o mundo visto pela lente do conhecimento científico é um recorte do mundo. Mesmo sendo apenas um recorte do mundo cotidiano, o conhecimento científico contribui significativamente para sua explicação porque a natureza faz parte de ambos. Fenômenos naturais presentes no cotidiano como a luz elétrica, a queda d’água, o raio e o trovão são também objetos do conhecimento científico.

O nosso cotidiano está fortemente povoado por equipamentos oriundos das tecnologias, cujos princípios de funcionamento se relacionam, direta ou indiretamente, com conhecimentos científicos. A rede de computadores, as usinas para produção de energia elétrica, os sistemas de transporte, os satélites de comunicação e os sistemas de tratamento d’água são exemplos de grandes projetos necessários à manutenção das estruturas sociais que são alicerçados em conhecimentos científicos e tecnológicos. 

O exercício da cidadania coloca os indivíduos diante de decisões que dizem respeito ao apoio ou a rejeição a determinados projetos que são fundamentais para nossa vida em sociedade. Ao tomar uma decisão sobre a construção ou não de uma usina nuclear, é importante conhecer minimamente os princípios de funcionamento dela. Sem isso, é impossível avaliar os riscos e benefícios locais e globais com a sua implantação. Isso nos leva a concluir que, nos tempos atuais, ser alfabetizado cientifica e tecnicamente é uma necessidade do cidadão. 

Quando analisamos o mundo ao nosso redor, o fazemos sob a influência dos nossos interesses pessoais ou sociais e da influência do grupo ao qual pertencemos. Em verdade, a vivência em comunidade é um dos elementos que tornam mais complexa a nossa visão de mundo e ampliam nossa capacidade de entendê-lo.

A visão que temos do mundo é construída a partir dos padrões de respostas que damos para as situações vividas. Essa visão segue sendo ampliada, modificada ou mesmo substituída ao longo da vida, em decorrência de algum interesse individual, necessidade material ou influência social. Pode-se dizer que ocorre um ajuste mútuo entre o mundo exterior e o mundo interior. O aprendizado resultante do diálogo entre esses dois mundos é mediado pelas crenças pessoais, tradições familiares e culturais. Esse processo é influenciado pelas diversas facetas de nossa consciência, sejam elas racionais, sentimentais ou emocionais.

Em alguns casos, o diálogo entre os dois mundos citados, que em condições normais leva à ampliação do conhecimento, pode falhar. Essa falha resulta no desenvolvimento de comportamentos inadequados. 

Quando o cérebro tem dificuldades para incorporar as mudanças externas, ele toma o caminho mais fácil e opta pelo atalho que resulta na invenção de narrativas afastadas da realidade.  Os especialistas falam de dissonância cognitiva. Os indivíduos que seguem por esse caminho tendem a acreditar em histórias fantasiosas, mesmo quando elas contrariam os fatos.

Nos últimos dias, temos visto brasileiros acampados nas portas de quarteis, rezando para que extraterrestres venham resolver problemas eleitorais e crentes que o salvador da pátria chegará em setenta e duas horas, mesmo depois desse prazo ter sido vencido várias vezes. Essa dissonância que inicialmente parece cômica necessita ser encarada com o devido cuidado, pois ela abre a porta para desequilíbrios maiores que podem resultar em desavenças, agressões e até em mortes. 

Do ponto de vista educacional, tendo em vista que essas pessoas passaram pela escola, devemos nos perguntar como e em que momento elas enveredaram por esses desvios. 

 



[1] Físico, Professor, Presidente da Associação Sergipana de Ciência. 

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