SOBRE A VELOCIDADE DA TERRA

SOBRE A VELOCIDADE DA TERRA

José Fernandes de Lima[1]

Dias atrás, fui procurado por uma colega que estava preocupada com uma notícia divulgada na internet sobre a variação da velocidade da Terra. A informação que ela recebeu afirma que a velocidade da Terra nesse mês de junho está significativamente inferior a velocidade que ela tinha em janeiro. Minha colega queria saber se a informação era verdadeira e quais seriam as consequências dessa diminuição. 

Com cautela, eu expliquei que a informação era verdadeira, mas isso não deveria ser motivo de preocupação, pois trata-se de um fato que se repete todos os anos. Informei também que esse assunto foi discutido e explicado muito tempo atrás, no início do século XVII, por Johannes Kepler.

Kepler construiu a sua explicação depois de analisar os dados astronômicos obtidos por Tycho Brahe, com quem trabalhou durante vários anos.

Até aquela época, tanto Ptolomeu como Copérnico haviam trabalhado com a ideia de que os planetas seguiam órbitas circulares e tinham velocidades de translação constantes.

Os dados precisos obtidos por Kepler levaram-no a concluir que os planetas se moviam mais rapidamente perto do Sol e, mais lentamente, quando estavam mais longe.  Com base nesses dados, ele recusou o modelo de órbitas esféricas e propôs o modelo de órbitas elípticas para o movimento dos planetas. De acordo com o seu modelo, os planetas se movimentam em torno do Sol com uma trajetória elíptica, que tem o Sol como um dos focos. A segunda lei de Kepler afirma que uma linha imaginária que vai do Sol até um planeta cobre áreas iguais em tempos iguais. Isso implica dizer que quando estão mais próximos do Sol, os planetas se movimentam com velocidades maiores do que quando estão longe. 

O ponto da órbita terrestre que fica mais perto do Sol é chamado periélio e o mais distante é chamado afélio. No periélio, a distância da Terra até o Sol é de 147 milhões de quilômetros, no afélio, a distância é de 152 milhões de quilômetros.

Se o leitor morar num lugar afastado da iluminação das grandes cidades, pode desenvolver o hábito de observar o Céu noturno. Se observar o Céu todas as noites, sempre à mesma hora, notará que o seu aspecto irá se modificando, dia após dia. Algumas estrelas deixam de ser visíveis e outras surgem. Ao término de seis meses, poderá verificar que todas as constelações visíveis são diferentes, pois estará observando o outro lado do Céu estrelado que era invisível em virtude da luz solar. Se o seu instrumento de observação for preciso, você chegará à mesma conclusão que Kepler, notará que nos pontos mais próximos do Sol a velocidade da Terra é maior e à medida que ela vai se afastando, a sua velocidade vai diminuindo.

No início de janeiro, a Terra estava no ponto mais próximo do Sol (periélio) e a sua velocidade era de 109 mil km/h. Nesse inÍcio de julho, a Terra atingiu o ponto mais distante (afélio) e a sua velocidade é de 105 mil km/h. 

Retornando à preocupação demonstrada pela colega, registramos mais uma vez que, apesar de correta, a informação divulgada pelo site induzia ao erro e tornava-se alarmante na medida que não deixava claro tratar-se um fenômeno que se repete todo ano e que, depois de atingir o afélio, a velocidade voltaria a crescer. 

Não sabendo que a velocidade voltaria a crescer, minha colega imaginou que ela pudesse continuar decrescendo e a Terra pudesse parar. Imaginou a velocidade diminuindo e a Terra se aproximando do Sol até cair na sua superfície. Muito provavelmente, pensou que seriamos cozidos durante esse processo. 

A preocupação da maioria das pessoas que questionam sobre o assunto diz respeito ao movimento de rotação. Querem saber o que aconteceria se a Terra parasse de girar em torno de si mesma. 

As discussões que encontramos sobre esse assunto, na literatura e na arte, em geral, referem-se à modificação do comportamento das pessoas e não ao movimento em si. Um exemplo significativo é o caso da música “O dia em que a Terra parou”, cantada por Raul Seixas, que, ao dizer que a Terra parou, está falando do comportamento da sociedade moderna e do relacionamento das pessoas. 

Foi também com o intuito de discorrer sobre o comportamento humano que Douglas Adams falou da translação da Terra em torno do Sol, no início do seu famoso livro - O Guia do Mochileiro das Galáxias: “Muito além, nos confins inexplorados da região mais brega da Borda Ocidental desta Galáxia, há um pequeno sol amarelo e esquecido. Girando em torno deste sol, a uma distância de cerca de 148 milhões de quilômetros, há um planetinha verde azulado absolutamente insignificante, cujas formas de vida, descendentes de primatas, são tão extraordinariamente primitiva que ainda acham que relógios digitais são uma grande ideia”. 

Quando falamos sobre a aproximação e o afastamento da Terra em relação ao Sol, algumas pessoas tentam associar esse fato com as estações do ano, mas isso não é correto e a explicação das estações do ano é uma outra história. 



[1] Professor Emérito da UFS, Presidente da Associação Sergipana de Ciência (ASCi) e membro da  Academia Sergipana de Educação. 

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