SOBRE CRIPTOGRAFIAS

SOBRE CRIPTOGRAFIAS

 

José Fernandes de Lima[1]

 

Faz alguns meses, o aplicativo WhatsApp anunciou que estava adotando uma criptografia de ponta a ponta. Isso significa dizer que as mensagens enviadas só podem ser lidas pelos aparelhos destinatários das referidas mensagens. Em outras palavras, o aplicativo quer dizer que os segredos dos usuários estarão bem guardados.

 

A comunicação segura é essencial para vida diária, para o exercício do poder e o estabelecimento de relações entre as nações. Foi considerando essas necessidades que os estados criaram os departamentos especializados na elaboração de códigos.  Não seria demais lembrar que há também os departamentos especializados na decifração de códigos. 

 

Os criadores e os decifradores de códigos estão continuamente em luta. Os criadores buscam produzir códigos cada vez mais fortes para defender as mensagens enquanto os decifradores inventam novos métodos para atacá-los. As armas utilizadas nessa luta envolvem disciplinas que vão da matemática à linguística, da teoria da informação à teoria quântica.

À medida que a informação se torna uma mercadoria cada vez mais valiosa, a produção de novos códigos se torna cada vez mais importante.

Hoje em dia, as mensagens telefônicas e os e-mails são transmitidos por satélites e armazenadas em computadores. Ambas as formas de comunicação podem ser interceptadas, ameaçando a nossa privacidade.

 

Há duas formas básicas de se enviar uma mensagem secretamente: a esteganografia e a criptografia. A esteganografia consiste em esconder a mensagem para que ela só possa ser vista pelo destinatário. A esteganografia tem um ponto fraco. Se o mensageiro for revistado e a mensagem for descoberta, o segredo será imediatamente revelado.

A segunda forma de transmitir mensagens secretamente é através da criptografia. O objetivo da criptografia é ocultar a existência de uma mensagem, e esconder o seu significado. Para tornar a mensagem incompreensível, o texto é misturado de acordo com um protocolo específico, que foi previamente estabelecido entre o transmissor e o receptor.

A vantagem da criptografia sobre a esteganografia decorre de, mesmo que o inimigo intercepte a mensagem, ela continuará ilegível e seu conteúdo protegido.

Um modelo muito antigo de criptografia é o citale, o primeiro aparelho criptográfico militar espartano, que data do século V antes de Cristo.

O citale consiste em um bastão de madeira em volta do qual é enrolada uma tira de couro ou pergaminho.

O remetente escreve a mensagem ao longo do comprimento do citale e depois desenrola a tira, que agora parece conter uma série de letras sem sentido.

A mensagem foi misturada. O mensageiro leva a tira de couro, e num toque esteganográfico ele pode escondê-la usando-a como cinto.

Para decifrar a mensagem, o destinatário necessita enrolar a tira de couro num citale de mesmo diâmetro do que foi usado pelo remetente.

 

Outra forma de criptografia é a substituição. 

Dar-se o nome de cifra à forma de substituição criptográfica na qual cada letra é substituída por outra letra ou símbolo.

O inimigo pode suspeitar de que cada letra do texto original foi substituída por uma letra diferente, mas é impossível que o inimigo saiba qual alfabeto cifrado foi usado. 

Sem conhecer a chave, não será possível decifrar a mensagem.

 

A transmissão de mensagem por substituição funciona da seguinte maneira: Para cifrar uma mensagem, o remetente aplica ao texto um algoritmo cifrado. O algoritmo é um sistema geral de cifragem e precisa ser especificado com exatidão, por meio de uma chave. Somente o receptor que conhece a chave e o algoritmo utilizados conseguirá ler a mensagem. Além de manter a chave em segredo, um sistema de código seguro deve possuir um grande número de chaves em potencial.

Se o sistema usado for o deslocamento simples das letras do alfabeto, o inimigo necessitará checar apenas 25 possibilidades. No entanto, se for usado um algoritmo de substituição geral que permite usar os arranjos do alfabeto, o inimigo necessitará checar 4 X 1026 chaves. Para checar essas chaves manualmente, seria necessário um tempo maior do que a existência do universo.

Na escolha das chaves, devem ser evitadas aquelas muito simples para que não sejam adivinhadas pelo inimigo e as chaves muito complicadas para que o receptor não esqueça. 

As pessoas que usam senhas nos aparelhos celulares e nos computadores conhecem a dificuldade para guardar na memória as suas senhas. 

 

A criptografia pode ser feita com o auxílio de máquinas. 

A primeira máquina criptográfica construída foi o disco de cifra, inventado no século XV pelo arquiteto italiano Leon Alberti. Consiste de dois discos, um ligeiramente maior do que o outro, na borda dos quais são gravadas as letras do alfabeto. Ao girar um disco em relação ao outro, o indivíduo estabelece uma relação entre o texto original e o texto codificado.

 

A máquina de criptografia mais famosa é a Enigma. Ela foi criada pelo inventor alemão Arthur Scherbius, em 1918 e é conhecida como o mais terrível sistema de cifragem da história. Os circuitos da Enigma permitem simular a existência de muitos misturadores, o que torna praticamente impossível decifrar suas mensagens.

 

A Enigma funciona do seguinte modo:

O operador tecla uma letra em especial e, dependendo do ajuste, ela pode ser cifrada em qualquer um entre centenas de alfabetos cifrados. Aí o ajuste do misturador muda, de modo que, quando a letra seguinte é acionada no teclado, ela é cifrada de acordo com um alfabeto cifrado diferente. Tudo isso é feito com grande eficiência e precisão, graças ao movimento automático dos misturadores e à velocidade dos circuitos elétricos. A força da cifra não depende de a máquina ser mantida em segredo, e sim do ajuste inicial da máquina permanecer secreto.

 

A Enigma foi amplamente usada durante a segunda guerra mundial e produziu uma batalha particular entre os produtores e decifradores de códigos. A máquina era usada pelos alemães para transmitir ordens de ataques. A chave do código era mudada todos os dias.

O governo britânico montou uma equipe com o objetivo de quebrar o Enigma. Um integrante desse grupo era Alam Turing, um matemático de 27 anos.

Turing conseguiu convencer as autoridades britânicas para construir uma máquina para analisar todas as possibilidades de codificação da Enigma em apenas 18 horas, de forma que os ingleses pudessem conhecer as ordens enviadas pelos alemães antes que elas fossem executadas.

A máquina construída por Turing é a precursora dos computadores atuais. Ele é considerado o pai da ciência da computação. 

O trabalho de Turing para salvar vidas foi mais importante do que o trabalho da maioria dos generais britânicos.

Uma parte dessa história foi contada no filme “O jogo da imitação”, em 2014. 

Alan Turing morreu em 1954 e a sua história necessita ser contada mais vezes para que as pessoas aprendam sobre a importância da ciência e sobre a capacidade desse gênio.



[1] Físico e Educador.

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