SOBRE A NEGAÇÃO E O NEGACIONISMO

SOBRE NEGAÇÃO E NEGACIONISMO

 

José Fernandes de Lima[1]


(Publicado no Jornal do Dia, em 31/03/2021)

 

O Presidente do Senado Federal afirmou que o negacionismo passou a ser uma brincadeira de mau gosto, macabra e medieval.

Ao lado das implicações políticas que pode trazer, essa afirmação enseja uma reflexão sobre o significado do negacionismo e sobre a justificativa para a indisposição do parlamentar com o referido termo.

Não obstante o discurso ter sido dirigido a um tipo específico de negacionismo, mais precisamente àquele relativo aos efeitos da pandemia, pretendemos aproveitar a oportunidade para refletirmos sobre o tema, de uma forma geral.

O negacionismo é o ato de negação da realidade como forma de escapar de uma verdade irrefutável. Trata-se da recusa em aceitar uma realidade empiricamente verificada em favor de uma ideia que favoreça determinado grupo. O negacionismo resulta na rejeição de conceitos básicos incontestáveis no apoio a ideias controversas.

As diferentes formas de negacionismos possuem como denominador comum a rejeição de evidências e de consensos préexistentes. As ideias defendidas pelos negacionistas são, em geral, controversas.

O negacionista não é necessariamente um desinformado. Em geral, é um indivíduo que descobre coisas que contradizem suas convicções e que ameaçam suas certezas. É um individuo que quer fugir da responsabilidade ou que deseja enganar as pessoas. Mais do que negar a ciência, o negaconista se opõe à verdade e aos fatos.

Muitas vezes, os negacionistas usam da pseudociência para enganar a população e propagar suas crenças. Eles criam falsas controvérsias sobre a argumentação científica e criam teorias conspiratórias para explicar o inexplicável. Eles desejam causar o descrédito da ciência e divulgar informações falsas que favorecem os interesses privados de determinados grupos.

O negacionismo pode ser provocado por diversos motivos, como crenças religiosas, ou defesa contra conhecimentos perturbadores. Esse comportamento costuma se fortalecer quando a sociedade se encontra em algum processo de instabilidade.

Os primeiros negacionistas rotulados com esse nome foram aqueles que negam o holocausto. Em seguida, vieram os que negam o aquecimento global e depois aqueles do movimento antivacina e os que negam a teoria da evolução. 

Algumas indústrias utilizam desse mecanismo para se contrapor aos conhecimentos científicos que contrariam seus interesses. Um caso emblemático ocorreu na década de 1950, quando a indústria do tabaco trabalhou para desacreditar as pesquisas que ligavam o fumo com o aumento do câncer. Chegaram a divulgar falsos artigos científicos com resultados não comprovados. 

O mesmo tipo de esquema foi utilizado para negar a existência do buraco na camada 

de ozônio. As indústrias do carvão e do petróleo fizeram de tudo para desacreditar a ciência climática e barrar os movimentos contra o aquecimento global.

A diminuição da taxa de vacinação mundial teve origem em um movimento pseudocientífico de antivacina provocado por um artigo publicado pelo britânico Andrew Wakefield, em 1998. Nesse texto, que depois ficou provado mentiroso, ele sugeriu um aparente vínculo entre a vacina tríplice e o autismo.

Mesmo depois de provada a fraude, eles continuaram a divulgação do referido artigo e conseguiram convencer muitos incautos, que deixaram de vacinar as suas crianças. Por conta dessa fraude, muitas pessoas foram infectadas e outras tantas morreram.

Isso nos leva a concluir que, mais do que uma brincadeira de mau gosto, o negacionismo pode provocar danos às pessoas e constituir-se crime.

Nem todos os negacionistas são necessariamente criminosos. Essa adjetivação se aplica mais diretamente aos formadores de opinião e aos governantes que propagam propositalmente tais ideias. Esse comportamento pode também estar relacionado com a fragilidade psicológica de determinados indivíduos. 

No campo da psicologia, a negação é definida como um mecanismo psicológico de defesa que leva a pessoa a evitar a realidade em que vive. O sujeito age como se não houvesse nada de anormal acontecendo a sua volta. Ele rejeita as evidências científicas porque esse conhecimento pode contrariar as suas fantasias. Esse tipo de negação pode resultar em desgaste emocional, para o indivíduo e para os outros.

No Brasil, o governante máximo da nação tem feito sucessivas divulgações de notícias falsas com o intuito de desacreditar os cientistas e fazer crer que não estamos sofrendo nenhuma dificuldade com a pandemia. Tem defendido que há remédios milagrosos e que as pessoas devem contrariar as recomendações dos cientistas e ocupar as ruas, em prol da manutenção da economia. À primeira vista, essas ideias parecem inofensivas, mas têm sido vistas como causadoras de sérios danos e responsáveis pelo aumento do número de mortes. 

Quando o Presidente do Senado Federal fez a afirmação apresentada no início desse artigo, ele estava se referindo à atitude do Presidente da República quando este tenta tornar invisível a pandemia e ignorar os mais de 300 mil mortos.

O congressista não deixou claro, no entanto, se enquadra o chefe do executivo como um criminoso, propagador do vírus ou um portador de problemas psicológicos. 



[1] Físico, Educador, Presidente da Associação Sergipana de Ciência (ASCi).

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