SOBRE A CONVICÇÃO

SOBRE A CONVICÇÃO 

 

José Fernandes de Lima[1]

 

Em setembro de 2016, a frase “Não temos prova, mas temos convicção”, atribuída aos procuradores da Operação Lava Jato ao apresentarem a denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ocupou todos os noticiários nacionais e foi transformada em motivo de brincadeiras nas redes sociais. As consequências das acusações decorrentes da denúncia, bem como os desdobramentos políticos resultantes são conhecidos de todos. Ainda hoje, há quem afirme que a frase dita não foi bem aquela e há também quem afirme que os procuradores não passavam de indivíduos desonestos. 

Considerando que o referido episódio ressaltou a comparação dos pesos atribuídos à prova e à convicção na decisão jurídica e considerando que as controvérsias políticas permanecem, peço licença ao leitor para tratar a dita frase apenas do ponto de vista da consistência lógica. 

Como sempre, sugiro que iniciemos pela busca do significado da palavra convicção. 

Os dicionários informam que convicção é uma crença, é uma opinião firme a respeito de alguma coisa. É uma opinião obstinada acerca de alguma coisa. É uma fé.

A convicção pode ser obtida por indução, pelo poder de convencimento de um ser externo e por motivos particulares ou internos.

Dizemos que a convicção é obtida por indução quando o indivíduo experimenta uma vez, experimenta a segunda vez, conclui que sempre será assim e sai pelo mundo espalhando a boa nova. 

O poder do convencimento se verifica quando uma pessoa que você respeita ou que tem autoridade sobre você diz que é assim e você aceita o dito como verdade. As religiões têm facilidade de provocar esse tipo de convencimento.

A convicção pode também surgir do nada. Você acorda, presencia um acontecimento e pronto:  fica convencido de que as coisas acontecem de um determinado jeito e ninguém consegue fazê-lo mudar de ideia. 

Um convicto pode se dar ao luxo de ignorar os fatos.

A convicção pode ser uma coisa boa ou ruim.

A convicção facilita a tomada de decisão. Um convicto já sabe de antemão o que é bom e o que é ruim e por isso decide rapidamente, sem precisar pensar.

Por outro lado, a convicção pode atrapalhar a sua evolução. Se você está convicto de que uma determinada coisa funciona de um jeito definido, você terá dificuldade de raciocinar quando colocado diante de coisas novas.

Um bom exemplo disso é: você tem convicção de que as pessoas da sua religião são boas e as da outra religião são más.  Um belo dia, você descobre que na sua igreja tem um indivíduo com um comportamento esquisito que você não consegue classificar como bom. O que você faz? O que acontece com a sua convicção? 

A convicção também traz problemas quando afasta as pessoas. Muitas pessoas entram 

nas redes sociais cheias de convicções e por isso são altamente intolerantes. Um participante escreve uma coisa e o outro, convencido de que ele é um inimigo, já sai atacando. Nos dias atuais, há uma grande segregação no âmbito das chamadas bolhas da internet. Quem pertence a uma determinada bolha não pode pertencer à outra.  

Um indivíduo cheio de convicções pode ser bom para exercer determinadas profissões, mas será inadequado para outras. Por exemplo, um indivíduo que esteja convencido de que se morrer lutando irá para o céu tem tudo para ser um bom soldado. Para ele, quanto mais perigo houver, mais motivação ele terá. Um convicto pode também ser um bom líder religioso. 

Por outro lado, o convicto teria dificuldade para ser um juiz imparcial porque de um juiz espera-se que tome decisões de acordo com as provas e não de acordo com suas convicções. No âmbito jurídico, prova é o elemento material dirigido ao juiz da causa para esclarecer o que foi alegado por escrito pelas partes, especialmente circunstâncias fáticas. A sociedade espera que as decisões do juiz sejam tomadas com base no material probatório. 

O excesso de convicção também é nocivo para aquele que deseja ser um cientista, porque este profissional trabalha essencialmente com provas. Para demonstrar a veracidade dos fatos, fenômenos ou alegações, os cientistas fazem uso das provas cientificas. Eles aceitam as provas como argumento e aceitam mudar de ideia quando colocados diante de novos fatos.

A prova científica é um conjunto de processos e métodos teóricos e práticos que são realizados para averiguar a verdade e chegar à confirmação de determinado fato ou fenômeno. 

Os cientistas estão constantemente questionando a validade das teorias e ideias e ao mesmo tempo estão sempre abertos a incorporação de novas evidências, mesmo que elas contrariem as suas crenças. 

Seria muito bom se mais pessoas, além dos cientistas, fossem capazes de equilibrar a desconfiança com o cultivo de uma mente aberta para novas ideias.   



[1] Físico e Professor

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