O CANTO DA CIGARRA
O CANTO DA CIGARRA
José Fernandes de Lima[1]
Vi um cidadão “levemente rabugento” reclamando do barulho das cigarras e afirmando que além de barulhentas elas atrasam as chuvas quando não cantam no tempo certo. Nas suas ruminações, ele afirmava não saber onde elas se escondiam quando não estavam cantando.
Por entender que aquele senhor foi muito severo com as pobres cigarras, fui buscar algumas informações que divido aqui com o caro leitor.
As cigarras são insetos do grupo dos artrópodes, mais precisamente insetos que têm o corpo dividido em cabeça, tórax e abdome, além de seis pernas e asas. Elas variam em tamanho, normalmente entre 1 e 7 centímetros de comprimento.
As cigarras são fitófagas, ou seja, alimentam-se da seiva de plantas, e podem ser consideradas pragas para algumas espécies vegetais. Seu ciclo de vida inclui uma fase imatura subterrânea longa e uma fase adulta breve, durante a qual os machos cantam para atrair as fêmeas.
Aqui, já podemos esclarecer a primeira questão trazida pelo rabugento senhor - Quando não estão penduradas nas árvores cantando, elas estão enterradas, na forma de ninfa.
Quando as primeiras chuvas umedecem o solo que estava seco e a temperatura aumenta, as ninfas que estavam vivendo dentro da terra, em estado quase letárgico, despertam e cavam túneis que as levam à superfície. À noite, as ninfas deixam a terra e sobem na primeira superfície vertical que encontram, seja um tronco de árvore, seja uma parede.
Ao atingirem determinada altura, as ninfas ficam penduradas e quietas até surgir uma fenda nas costas por onde irá sair um indivíduo adulto novo. Na fase ninfa, a cigarra pode viver mais de dois anos, mas na fase adulta sua vida é muito curta. A vida adulta da cigarra dura apenas cerca de um mês.
O canto da cigarra, produzido por membranas vibratórias localizadas no abdome, é usado para reprodução e pode ser bastante intenso, mas ao contrário de mitos populares, as cigarras não cantam até explodirem. O macho usa esse recurso para se aproximar da fêmea, que, ao contrário dele, tem um som quase imperceptível.
Após o acasalamento, as fêmeas depositam ovos que eclodem em poucas semanas, liberando ninfas que caem no solo e penetram na terra para um longo período subterrâneo. A vida adulta termina pela morte natural.
São conhecidas mais de mil e quinhentas espécies de cigarras em todo o mundo e cada uma delas apresenta um canto específico.
O som das cigarras é um sinal da época de acasalamento, mas ao mesmo tempo as expõe a predadores. A luta pela sobrevivência e reprodução faz parte da vida das cigarras. “Consciente” do seu pouco tempo de vida, a cigarra adulta macho precisa atrair uma fêmea o mais rapidamente possível, antes que algum predador voraz a encontre. Para isso, precisa cantar o mais alto possível. Trata-se de um jogo perigoso, pois quanto mais ela canta, mais exposta aos predadores ela fica. Em outras palavras, a cigarra adulta vive uma vida de forte estresse.
Mais uma vez, respondendo ao senhor ranzinza, informamos que não é a cigarra que provoca a chuva, é o contrário, as cigarras aparecem por causa da mudança do tempo.
O prestígio das cigarras é mais baixo do que elas merecem.
Na agricultura, a cigarra é considerada uma praga, seja porque as ninfas diminuem o fluxo de seiva nas raízes, seja porque aumentam a inoculação de potenciais patógenos à planta, ou porque os adultos necessitam danificar as folhas e os galhos finos para depositar seus ovos. Os cidadãos urbanos pedem a cabeça das cigarras porque acham que elas são barulhentas e irritantes.
As fábulas de Esopo e La Fontaine colocam as cigarras injustamente como insetos preguiçosos.
As fábulas sobre a cigarra são mais famosas devido ao clássico “A cigarra e a formiga”, atribuída a Esopo, escritor da Grécia Antiga, e posteriormente recontada por Jean de La Fontaine, escritor francês do século XVII.
Nessa fábula, a cigarra passa o verão cantando e se divertindo, enquanto a formiga trabalha duro para armazenar alimento para o inverno. Quando chega o inverno, a cigarra, que não se preparou, sofre as consequências e pede ajuda à formiga, que a repreende pela falta de previdência e esforço.
Na versão de Monteiro Lobato, há uma segunda formiga mais compreensiva que acolhe a cigarra e reconhece o valor do seu canto.
A moral tradicional da fábula de La Fontaine enfatiza a importância do trabalho, da responsabilidade e da preparação para as dificuldades futuras, apontando a preguiça, o desleixo e a cantoria como atitudes negativas.
Nos últimos tempos, a mensagem tradicional daquela fábula tem recebido críticas por causa do seu caráter moralista e individualista. A crítica principal aponta que a moral da fábula reforça uma visão dura e excludente, em que a formiga abandona ou rejeita a cigarra porque ela não se encaixa na lógica produtiva tradicional, ignorando as circunstâncias sociais e a importância da solidariedade.
Os críticos entendem que ao valorizar apenas o trabalho e a eficiência econômica a fábula desconsidera o papel da arte, da cultura e do lazer na vida humana, representado pela cigarra que canta.
As novas interpretações sugerem a coexistência necessária entre trabalho e criatividade, e apontam a importância de comunidades que se ajudam mutuamente, mesmo quando nem todos seguem o mesmo padrão de preparação.
A moral da história antiga reforça os valores tradicionais que negligenciam a empatia, a ajuda mútua e a diversidade de modos de vida.
As críticas contemporâneas trazem uma reflexão sobre a sociedade que queremos construir e apontam uma sociedade que acolhe e valoriza as diferentes contribuições.
Artigo muito interessante e didático. Nada sabia sobre as cigarras. Também as considerava um estorvo, apesar de não ser ranzinza, rs.
ResponderExcluirO nosso articulista é um cavador de preciosidades no cotidiano. Ele, curioso e investigativo, faz aquilo que a gente não tem a delicadeza de fazer. Olhar as coisas bonitas e simples e transformá-las em belas e complexas. Ele passa pela mitologia, pelos senso comum, pelas ciências e termina nas estéticas da vida!!!! Deliciosos contos!!! OBRIGADO
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