SERÁ O LÍTIO O NOVO PETRÓLEO?

SERÁ O LÍTIO O NOVO PETRÓLEO?

José Fernandes de Lima[1]

A crescente demanda por energia limpa e a expansão dos veículos elétricos têm tornado o lítio um recurso estratégico de alta demanda global. O controle das suas reservas e das suas cadeias produtivas está gerando tensões geopolíticas semelhantes às que ocorreram com o petróleo no século XX.

O protagonismo assumido pelo lítio tem lá suas razões. 

Imagine um metal tão leve que flutua na água, mas ao mesmo tempo poderoso o suficiente para armazenar energia que alimenta seu smartphone, computador e até veículos elétricos. Este é o lítio, um elemento químico cujo papel na sociedade vem crescendo exponencialmente, a ponto de ser considerado o “ouro branco” do século XXI.

O lítio (símbolo Li, número atômico 3) é o metal mais leve da tabela periódica e o menos denso de todos os elementos que são sólidos em temperatura ambiente. Essa característica aparentemente simples esconde uma versatilidade impressionante.  É extremamente reativo, especialmente com a água, apresenta cor prateada que rapidamente se oxida em contato com o ar, pertence à família dos metais alcalinos, possui alta condutividade elétrica e térmica.

Uma característica particularmente interessante é sua reação com a água – o lítio libera hidrogênio e forma uma solução básica de hidróxido de lítio, reagindo menos violentamente que outros metais alcalinos como sódio e potássio.

O lítio encontra aplicações em cerâmicas e vidros, aos quais é adicionado para aumentar a resistência ao choque térmico; ligas metálicas (combinado com alumínio, cobre, manganês e cádmio em ligas aeroespaciais).

Uma aplicação menos conhecida, mas igualmente importante, é o uso do carbonato de lítio como medicamento para transtorno bipolar. Desde os anos 1950, os sais de lítio vêm sendo utilizados para estabilizar as oscilações de humor em pacientes com esse transtorno. 

Há quem afirme que o título da música Lithium, gravada pelo grupo Nirvana, em 1991, foi dado pelo Kurt Cobain em referência ao medicamento que ele utilizou para tratar um quadro de oscilação de humor. 

A aplicação que catapultou o lítio ao status de elemento estratégico foi o seu uso em baterias recarregáveis. Em 1991, a Sony comercializou a primeira bateria de íons de lítio, desencadeando uma revolução tecnológica que continua se expandindo. 

As baterias de íons de lítio funcionam através da migração de íons Li+ entre os eletrodos positivo e negativo.

As vantagens da bateria de lítio sobre outras tecnologias são a alta densidade energética (armazena mais energia por peso), baixa taxa de autodescarga quando não utilizadas, não apresenta “efeito memória” (pode ser recarregada a qualquer nível), longa vida útil (permite centenas de ciclos de carga/descarga).

A bateria de íons de lítio possibilitou a miniaturização de dispositivos eletrônicos e, mais recentemente, viabilizou a expansão dos veículos elétricos. Todas as montadoras globais de automóveis dependem do lítio para suas estratégias de eletrificação. 

O lítio não é encontrado livre na natureza devido à sua alta reatividade. Ele está presente em pequenas quantidades em praticamente todas as rochas ígneas e em muitas salmouras naturais.

O processo de extração varia conforme a fonte. Nas salmouras, o método consiste em bombear a água salgada para tanques de evaporação onde o sol concentra o lítio por meses. Nas rochas, a extração envolve mineração convencional seguida de processamento químico e térmico para separar o lítio dos outros elementos

No cenário geopolítico atual, os principais atores e movimentos envolvem o Chile como maior produtor a partir de salmouras, a Austrália, como maior produtor a partir de rochas duras, a China como o país dominante no processamento e refinamento, Argentina e Bolívia, como detentores de grandes reservas ainda não exploradas, Estados Unidos e Europa, como aqueles que buscam reduzir a dependência das importações. A produção brasileira de lítio ainda é modesta em comparação com líderes mundiais como Austrália e chile. 

O Brasil possui um potencial significativo para exploração de lítio, embora ainda não figure entre os principais produtores mundiais. Possui importantes reservas, concentradas principalmente em três regiões do Vale do Jequitinhonha (MG), nos municípios de Araçuaí e Itinga. Ocorrências significativas já foram constatadas nos estados do Ceará e Rio Grande do Norte.

No momento, as principais explorações ocorrem na região do Vale de Jequitinhonha (MG). A mineração é predominantemente baseada em rochas duras, diferente dos grandes produtores sul-americanos que exploram salmouras.

O processo atual produz principalmente concentrados de lítio para exportação, com limitada capacidade de produção de carbono e hidróxido de lítio (produtos de maior valor agregado).

O Brasil tem condições de se tornar um player importante no mercado global de lítio, mas isso dependerá do estabelecimento de políticas públicas coordenadas, investimentos em pesquisa e desenvolvimento e uma estratégia clara para o setor mineral e energético. Essas políticas devem contemplar os cuidados ambientais necessários para evitar a degradação das áreas exploradas.  



[1] Físico e Professor

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