FELICIDADE PLENA E OUTROS SUPERLATIVOS
FELICIDADE PLENA E OUTROS SUPERLATIVOS
José Fernandes de Lima[1]
Nos tempos de Instagram, quando as palavras parecem não dar conta das nossas intenções comunicativas, as pessoas decidiram apelar para adjetivações que, quase sempre, nos levam pelo caminho dos superlativos.
Estive na farmácia para comprar um remédio e constatei que o tempo de Instagram já chegou naquele estabelecimento. Terminado o atendimento, o balconista se despediu desejando “tenha uma ótima tarde” e me encaminhou para o caixa. Depois de receber o pagamento, o caixa se despediu dizendo “tenha um excelente final de semana”.
Essas expressões me pareceram pertencentes ao mesmo pacote daquelas pronunciadas pelos funcionários do aeroporto, que ao nos entregar o bilhete da passagem, dizem “faça uma extraordinária viagem”.
Tudo leva a crer que algum instrutor de marketing anda convencendo tais funcionários da importância dos superlativos, sem considerar que o uso de determinadas expressões pode resultar em exagero.
O fato é que os indivíduos que antes de despediam dizendo “tenha uma boa noite” passaram a dizer “tenha uma extraordinária noite”. Outros que diziam “bom apetite” passarem a dizer “tenha uma refeição maravilhosa”.
A ideia por trás dessa mudança reflete a intensão de mostrar que o seu desejo é mais intenso e que a sua consideração pelo outro é mais efetiva e o seu respeito mais profundo.
No âmbito geral, essa tática parece funcionar, até o momento que começa a soar falsidade.
Num grupo de WhatsApp, vi uma mensagem na qual um membro do grupo desejava que o outro obtivesse a “felicidade plena”.
No caso particular da felicidade desejada pelo cidadão do WhatsApp, cabe destacar que a palavra felicidade por si só já é entendida como algo superlativo e de difícil acesso. Bem dizia o cancioneiro popular.
A música “A felicidade” de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, nos diz que:
A felicidade é como uma pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve, mas tem vida breve
Precisa que haja vento sem parar.....
Com esses versos, os compositores dão a entender que a felicidade é algo etéreo, passageiro e tênue. Portanto, está longe de ser plena.
De forma semelhante, na música “A Noite Mais Linda do Mundo” o compositor Odair José cantou o refrão:
Felicidade não existe
O que existe na vida são momentos felizes.
Seguindo o raciocínio dos compositores citados, os antigos alertam que concentrar-se exclusivamente na busca da felicidade pode acabar sendo contraproducente. Às vezes, encontrar felicidade em pequenos momentos do dia a dia pode ser um caminho mais realista do que esperar por uma felicidade total e constante.
Por essas e outras, podemos concluir que ao desejar felicidade plena, o indivíduo pode não estar dando nenhuma grande contribuição.
E por que será que ele expressa esse desejo?
Muito provavelmente, porque está influenciado pelos marqueteiros defensores dos superlativos. Porque está vivendo os tempos de Instagram.
É bom ficar atento. Tudo indica que a ideia usada pelos instrutores do mercado chegou aos usuários das redes sociais.
O grande desafio é encontrar o equilíbrio entre cordialidade e sinceridade.
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