CANTAR CIÊNCIA

CANTAR CIÊNCIA 

José Fernandes de Lima[1]

Há quem afirme que a arte funciona como a antena da sociedade. Nesse sentido, ela costuma refletir e até antecipar as novidades científicas, tecnológicas ou sociais. 

O cantor e compositor Gilberto Gil é um artista comprometido com essa relação. Ele costuma cantar ciência, ou seja, costuma abordar em suas canções os temas da tecnologia e da ciência, da arte e do conhecimento. Usando uma linguagem poética, ele nos convida à reflexão sobre o universo, a criação e a inovação.

São muitas as canções de Gil que tratam de ciência e conhecimento. 

Em 1996, ele lançou a música “Pela Internet’ que trata da novidade tecnológica e optou por falar dos termos técnicos. A canção aborda a questão da chegada dos computadores e como a internet mudou a dinâmica da sociedade. 

Criar meu web site

Fazer minha home-page

Com quantos gigabytes

Se faz uma jangada

Um barco que veleje.....

A canção foi pioneira ao abordar o tema da internet na música popular brasileira. Refletia sobre as possibilidades que a nova tecnologia trazia para a conexão entre as pessoas e culturas distintas. 

Uma contribuição ainda mais significativa foi dada pelo compositor no álbum “Quanta”, lançado em 1997, que trouxe duas canções (“Quanta” e “A Ciência em Si”) que abordam diretamente os conhecimentos científicos e a forma como esses conhecimentos são produzidos.

O título da música “Quanta” faz referência direta à física quântica, utilizando o termo “quantum” para discutir a complexidade e a infinitude do universo, tanto material quanto espiritual. A canção começa dizendo:

Quanta do latim 

Plural de quantum

Quando quase não há

Quantidade que se medir

Qualidade que se expressar

Fragmento infinitésimo....... 

Gil compara o quantum a elementos naturais como o mel e o sal, sugerindo a dualidade onda-partícula. 

Fragmento infinitésimo, quase que apenas mental

Quantum granulado no mel, quantum ondulado do sal

Mel de urânio, sal de rádio, qualquer coisa quase ideal.

Mais adiante, a ciência e a arte são apresentadas como irmãs, filhas de um “Deus fugaz”.  A canção ressalta a criação do saber, a inspiração e a criatividade como elementos comuns às duas manifestações.   

Sei que a arte é irmã da ciência

Ambas filhas de um Deus fugaz

Que faz num momento

E o outro momento desfaz.

Cabe ressaltar que ao relacionar as expressões “Cântico dos cânticos” com “Quântico dos quânticos”, Gil une ciência e espiritualidade, defendendo que ambas são formas de buscar a compreensão do universo.

Cântico dos cânticos

Quântico dos quânticos 

A canção convida o ouvinte a refletir sobre a relação entre o micro e o macro, entre o material e o espiritual, entre o efêmero e o eterno. É um louvor à curiosidade humana e à capacidade de transformar o pensamento em algo tangível, seja obra de arte ou descoberta científica. É uma celebração da complexidade do universo e da capacidade humana de busca de sentido e beleza em meio a essa complexidade.

Outra música do mesmo álbum, feita em parceria com Arnaldo Antunes, chamada “A Ciência em Si” discute sobre o significado da ciência, quando diz: 

A ciência não se aprende

A ciência apreende

A ciência em si.

............

A ciência não se ensina

A ciência insemina

A ciência em si.

A música “A Ciência em si” , para além das afirmações acima, reflete sobre a ciência, sua natureza e seus avanços. Aborda a relação entre experiência, crença, mito e ciência, e trata de mostrar a ciência como um processo para alcançar o conhecimento. 

Os exemplos trazidos neste artigo mostram que a música é uma poderosa ferramenta para aproximar o público da ciência, tornando conceitos complexos mais acessíveis e despertando interesse por temas científicos. 

O fato de a ciência poder ser “cantada” transforma a música numa ferramenta poderosa que pode ser usada para introduzir e discutir a ciência tanto na sala da aula quanto na divulgação científica. 

 



[1] Físico e Professor

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