UMA HORA A MAIS

UMA HORA A MAIS.

José Fernandes de Lima[1]

A sensação de falta de tempo é uma realidade que afeta a grande maioria das pessoas, especialmente em contextos urbanos contemporâneos. As pessoas se mostram cada vez mais apressadas e pressionadas pela falta de tempo. Independentemente da origem ou da classe social, elas parecem ter dias cada vez mais cheios. 

Os adultos chegam no final da noite ansiosos porque não fizeram tudo aquilo que haviam planejado. Até mesmo as crianças necessitam desempenhar diversas tarefas diárias, que vão desde ir à escola regular até frequentar a aula de balé, ou judô.

Pesquisas revelam que mais da metade da população brasileira não tem nenhum momento de ócio em sua rotina semanal, o que é preocupante, pois a ausência desses momentos pode prejudicar a saúde mental e física, aumentando até o risco de doenças neurodegenerativas, como a demência.

Essa falta de tempo livre impede práticas fundamentais para o autocuidado, como o exercício físico, uma alimentação adequada e o descanso necessário para o cérebro funcionar bem.

Também é comum que o tempo livre seja mal aproveitado, com muitas pessoas preferindo o uso de telas eletrônicas em vez de descansos reais, o que não traz os mesmos benefícios para o bem-estar.

No Brasil, alguns grupos sociais são mais afetados pela escassez de tempo, especialmente aqueles que enfrentam múltiplas demandas e desigualdades estruturais. Entre os mais impactados estão os trabalhadores de baixa renda, as mulheres, os jovens e os cuidadores, que frequentemente acumulam funções e responsabilidades, deixando pouco espaço para o descanso e o autocuidado.

Os trabalhadores de baixa renda costumam dedicar muitas horas ao trabalho, muitas vezes em trabalhos informais ou de jornada extensa, sem garantias de estabilidade ou benefícios. Acrescente-se as horas que gastam no caminho de casa até o trabalho.  A rotina exaustiva reduz significativamente o tempo disponível para atividades pessoais, lazer, estudos ou cuidados com a saúde. 

Hoje, quando os trabalhadores brigam pelo fim da escala 6x1, estão, de alguma forma, lutando por mais tempo para outras atividades. 

Para além daqueles trabalhadores menos favorecidos que são obrigados a dedicar muitas horas ao trabalho, muitos indivíduos de classe média, quando perguntados sobre o que fariam com uma hora extra por dia, têm dificuldades para responder. Sequer pensam o que poderiam fazer se sobrasse algum tempo no seu dia normal.

Para estimular uma reflexão sobre esse assunto, pergunto ao caro leitor o que ele faria se, por um golpe de sorte, de repente, o seu dia passasse a ter uma hora a mais. 

A referência à vigésima quinta hora nos traz à lembrança o romance A Vigésima Quinta Hora, que conta a história de um camponês romeno que durante a Segunda Guerra Mundial é perseguido por um policial que cobiça sua esposa. Acusado falsamente de ser judeu, Moritz acaba enviado para campos de concentração nazistas, mas sua saga de perseguição continua, mesmo quando é considerado um “ariano”.

No livro de Virgil Gheorghiu, que foi transformado em filme estrelado por Anthony Quinn e Virna Lisi, a vigésima quinta hora simboliza o momento além da última hora, ou seja, um clima de desespero e fatalidade, quando toda tentativa de solução parece inútil, o instante de crise máxima em que já não há mais salvação possível.

Neste artigo, o problema é bem mais simples: pergunto apenas o que faria o leitor se dispusesse de uma hora a mais por dia. 

Arranjaria mais um emprego? Usaria essa hora extra para terminar as tarefas que não tem conseguido terminar nos dias normais? Estudaria um novo idioma? Praticaria esportes? Iniciaria um novo hobby, dormiria mais ou simplesmente descansaria?  

O exercício de imaginar e planejar o uso de uma hora extra por dia pode ser útil, pois, muitas vezes, a questão não está na falta de tempo, mas na forma como gerenciamos e valorizamos o tempo que temos. 

Tal exercício pode nos revelar que pequenas mudanças no uso consciente e intencional do tempo podem gerar ganhos significativos em bem-estar, produtividade e qualidade de vida. 

A transposição desse exercício para o nosso dia normal de 24 horas possibilita a adoção de práticas específicas, tais como:  priorizar atividades que promovam equilíbrio, valorizar a qualidade do tempo, não apenas a quantidade, planejar e organizar o dia com consciência, incorporar pausas e momentos de desaceleração, desapegar do mito da produtividade incessante.

Em resumo, o exercício de pensar sobre o que fazer com a vigésima quinta hora milagrosamente acrescentada é um incentivo à atenção plena sobre o tempo e ao uso mais intencional e equilibrado da rotina existente. 

Mesmo sem acrescer qualquer minuto, é possível reajustar hábitos para viver com mais presença, satisfação e saúde.

Resta saber se o leitor topa encarar o desafio. 



[1] Físico e Professor

Comentários

  1. Um colega me enviou um comentário interessante, que traz uma abordagem distinta da minha. Estou trazendo aqui para dividir com os leitores..
    Lima
    Essa questão da 25a hora, ou da escala 6x1 torna-se relevante e está primorosamente bem escrita, pois ao fim e ao cabo, leva ao problema da otimização do tempo individual e/ou coletivo. Trazendo inúmeros benefícios.
    de um ponto de vista mais restritivo, trata--se do que o cap. XXIII do Kapital discute sobre "acumulação capitalista" (C/V) e a "elevação contínua" e necessária para a "elevação da produtividade", individual e coletivas.
    A "regulação" disto passa pelo "exercito industrial de reserva"em suas 3 "formas":
    Latente, Flutuante, Estagnado, e aqui é talvez onde estejam as respostas às suas indagações....
    Eu, como "economista" aprendi por este e outros caminhos que sem a elevação contínua e inexorável da Produtividade, tudo o mais se torna incansável, inclusive as liberdades individuais, coletivas, as decisões de maximização do tempo.
    Mas isto é só uma nota ao seu instigante artigo. Abraço.

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