SOBRE A BUSCA POR MATERIAIS MAIS ESCUROS
SOBRE A BUSCA POR MATERIAIS MAIS ESCUROS.
José Fernandes de Lima[1]
Nós vemos os objetos porque a luz refletida por eles chega até os nossos olhos. A cor que percebemos dos objetos depende da frequência da luz emitida ou refletida por eles. Se eles refletem a luz azul, temos a sensação do azul, se reflete todas as cores primarias, temos a sensação do branco. A cor preta que percebemos nos objetos do dia a dia acontece porque eles absorvem a maior parte da luz visível que incide sobre eles e refletem muito pouco. Mesmo os materiais mais pretos ainda refletem uma determinada percentagem de luz.
A busca por materiais mais pretos envolve a criação de superfícies que minimizem essa reflexão a níveis extraordinariamente baixos. Essa busca é impulsionada por uma combinação de necessidades práticas em diversas áreas e uma profunda curiosidade sobre os limites da manipulação da luz. Não se trata apenas de uma questão estética, mas de alcançar níveis de absorção de luz que abram novas fronteiras da ciência, da engenharia e até da arte.
Dentre as possíveis aplicações para tais descobertas, destacamos a melhora de instrumentos ópticos tais como o telescópio e câmeras fotográficas. Materiais capazes de absorver a luz visível e outras partes do espectro eletromagnético são desejáveis para aplicações de camuflagem, pois tornam os objetos menos detectáveis por radar ou sensores óticos.
Materiais super pretos são essenciais para revestir componentes internos, absorvendo a luz indesejada e aumentando o contraste e a sensibilidade dos instrumentos. Livrando-se do brilho indesejado, fica mais fácil concentrar no que se pretende ver.
O material mais escuro do mundo é o denominado Vantablack. Ele absorve 99,965% da luz que lhe é enviada. Foi desenvolvido, em 2014, pelos cientistas da Surrey Nanosystems, uma empresa de nanotecnologia do Reino Unido. O nome Vantablack provém de Vanta – Vertically Aligned Nanotube Arrays (Materiais de nanotubos verticalmente alinhados).
Nanotubos de carbono são alótropos do carbono com uma estrutura cilíndrica. Os nanotubos consistem em folhas de carbono de espessuras nanométricas, enroladas em tubos.
O Vantablack é 10 vezes mais escuro do que os pretos mais escuros até então existentes. Essa absorção extraordinária acontece devido às excelentes qualidades de absorção de radiação dos nanotubos, nos quais a luz e outras radiações penetram facilmente, mas não conseguem sair.
O revestimento retém a luz e não a solta: os fótons penetram nos espaços entre os nanotubos ricocheteiam dentro da estrutura e são lentamente absorvidos, sem nunca retornar ao ar. O resultado é um preto tão escuro que mais parece um poço sem fundo do qual nenhuma luz consegue emergir. Isso é ótimo para manter a luz difusa longe de instrumentos sensíveis, como telescópios, ou para tomar uma aeronave ou objeto invisível ao radar.
No campo da arte, o Vantablack tem sido usado para criar pinturas e esculturas que desafiam a percepção visual e evocam a sensação de vazio e profundidade transcendentes.
O artista plástico Anish Kapoor trabalha com esse material para explorar temas como a escuridão, a interioridade e o vazio. As obras de Kapoor manipulam o espaço físico e a percepção de forma inovadora. Suas pinturas feitas com Vantablack desafiam as possibilidades e limitações da visão e evocam sentimentos de admiração. Ele tem feito grandes exposições em diversas partes do mundo. Em setembro de 2024, teve uma exposição importante na Casa Bradesco, em São Paulo.
Kapoor abriu uma grande discussão no meio artístico quando registrou uma “patente” para ter direitos exclusivos sobre o uso do Vantablack em pinturas e esculturas. Os outros artistas não aceitam que Kapoor tenha exclusividade sobre o uso de um material e uma cor que sequer foram descobertos por ele.
Essa controvérsia deve se arrastar até que ocorra a descoberta de novos processos e outros materiais com propriedades semelhantes.
O Vantablack original foi desenvolvido a partir de um processo de deposição química em fase de vapor. Esse processo inicial tem sido substituído por revestimentos de spray, que oferece desempenho ótico semelhante em partes chave do espectro eletromagnético. Recentemente, pesquisadores do MIT divulgaram resultados que parecem animadores.
Enquanto isso, o Vantablack continua sendo o material mais escuro que existe na face da Terra.
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