SOBRE O VALOR DO ZERO

SOBRE O VALOR DO ZERO

José Fernandes de Lima[1]

Dias atrás, eu estava num restaurante, quando um cidadão, sentado na mesa ao lado, falando em voz alta, referiu-se a um adversário político dizendo que o outro não tinha a menor importância, não valia nada, era um verdadeiro zero.

A afirmação tinha o propósito de desqualificar o adversário e de reduzir o seu valor enquanto político.

Tendo ouvido aquela sentença, fiquei a imaginar sobre a pertinência daquela comparação e como uma coisa puxa outra, fui levado a refletir sobre a história e o papel do número zero. 

A ideia da contagem numérica teve início a partir de situações concretas e, só depois de muito tempo, evoluiu para as abstrações. A contagem dos números 1,2,3,4,5...... tem início a partir da contagem de coisas reais tais como laranjas, bananas, bolas, livros etc. 

Há quem diga que os pastores colocavam pequenas pedras numa sacola para cada cabra que soltavam no campo e utilizavam essa referência para conferir a quantidade de cabras que retornavam no final do dia. 

A abstração começa quando observando dois cestos, um contendo 4 laranjas e outro contendo 4 bananas, verificamos que, não obstante as frutas sejam diferentes, há algo em comum entre os cestos. O que existe de comum entre os cestos é o número de objetos que eles contêm. Essa “coisa” em comum que existe entre os dois cestos é o número de objetos neles contidos. 

Que devemos dizer a respeito do número de objetos de um cesto se ele estiver vazio?

A ideia de associar um número com a inexistência de objetos surgiu tardiamente. O homem aprendeu a representar a presença de 1,2,3,..objetos dentro de um cesto, mas demorou vários séculos para associar um número ao cesto vazio.

Se analisarmos o sistema romano de contagem verificaremos que aquele povo não tinha um símbolo específico para representar o zero, representar o nada ou a ausência das coisas.

O leitor deve lembrar que no sistema de algarismos romanos o I valia 1, o 2 era escrito como II, o V valia 5, o X valia 10  e assim por diante. A ausência de um símbolo específico para representar o zero resultava numa complicação a mais na hora de fazer as contas com aquele sistema de numeração.

O sistema de numeração que nós utilizamos é o sistema indo-arábico. Ele faz uso de dez símbolos que representam dez algarismos os quais, arranjados em sequências diferentes, dão conta de representar todos os números que desejamos. Um desses símbolos representa o zero. 

Inicialmente, o símbolo do zero foi inventado como uma espécie de marcador de posição e somente depois ele foi entendido como um número de verdade pelo matemático indiano Brahmagupta. Foi esse matemático que criou as regras para somar, subtrair e multiplicar por zero. 

A entrada do zero no sistema de numeração só foi realmente aceita quando se chegou a um acordo sobre a sua forma de atuação nas operações aritméticas. A soma de zero com qualquer número preserva esse número, ou seja, zero somado com um número é igual a esse número. Exemplo: 0 + 4 = 4 e 4+ 0 = 4. A multiplicação de um determinado número por zero resulta sempre em zero. Como exemplo, temos: 7 x 0 = 0 e 0 x 7 = 0.

Uma novidade maior aparece quando tratamos da subtração. Zero subtraído de qualquer número é igual a esse número. Por exemplo: 4 – 0 = 0. No entanto, a inversão da ordem da subtração resulta no aparecimento de um conceito novo que é o conceito de número negativo. Por exemplo: 0 – 9 = -9. Esse último resultado corresponde a uma situação semelhante à de um indivíduo que não tem nada e ainda está devendo 9 unidades.

Na divisão temos que zero dividido por qualquer número é igual a zero. Por exemplo: 0 : 5 = 0.

Na divisão, o número que aparece em primeiro lugar é chamado de dividendo, o segundo é chamado de divisor e o resultado é chamado de quociente. O quociente é um número tal que multiplicado pelo divisor deve reproduzir o dividendo. No exemplo anterior poderíamos ter colocado 0 : 5 = a e perguntado qual é o número a que multiplicado por 5 é igual a 0? E encontraríamos a = 0.

A divisão de um número qualquer por zero resulta numa dificuldade porque, em princípio, não temos nenhum número que multiplicado por zero reproduza o dividendo. Por exemplo: se 6 dividido por zero é igual a b então b deve ser um número que multiplicado por zero seja igual a 6. Nós já dissemos acima que qualquer número multiplicado por zero é igual a zero. Como não há nenhum número que satisfaça essa condição dizemos que a divisão por zero resulta numa indefinição. Em outras palavras, a divisão por zero é indefinida, ou seja, não é permitida.

Além desse problema, temos a situação de zero dividido por zero. Se 0 : 0 = n, quanto vale n? Em outras palavras, qual o número que multiplicado por zero dá zero? A resposta é: qualquer número. Na linguagem matemática, nós dizemos que zero dividido por zero é indeterminado.

O zero desempenha um papel fundamental na nossa forma de pensar. A matemática não consegue mais viver sem o zero. A noção de zero está enraizada na nossa linguagem. Nós falamos de temperatura zero, de gravidade zero, energia zero, e até de zero hora e marco zero. 

O zero pode ser considerado uma das maiores invenções da humanidade. Graças ao zero, os números puderam se distanciar das necessidades práticas e se tornar mais abstratos.

Retornando a conversa que ouvi no restaurante, continuo sem saber se o oponente do meu vizinho de mesa merecia ou não a desqualificação que lhe foi imposta, mas de uma coisa eu estou convencido - o zero foi injustiçado naquela comparação.

 



[1] Físico e Professor

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