A aposentadoria do Quilograma
O artigo abaixo foi publicado no Jornal O DIA de Sergipe
A Aposentadoria do Quilograma
José Fernandes de Lima[i]
Os especialistas em metrologia estão discutindo a possibilidade de redefinição do quilograma.
O protótipo internacional do quilograma é um cilindro de platina-irídio que é conservado num cofre do Bureau Internacional de Pesos e Medidas localizado na França. O quilograma é conservado dentro de recipientes de vidro e em condições controladas para evitar qualquer desgaste ou corrosão.
Apesar desse cuidado, nas últimas observações os metrologistas verificaram que o cilindro está perdendo massa. Embora a perda de massa seja de apenas alguns milionésimos de grama, o que para um leigo não tem nenhum significado, para os metrologistas, o fato é suficiente para provocar a discussão sobre a redefinição do quilograma.
É possível que o nosso conhecido quilograma seja aposentado. Isso não significa, de forma alguma, que vamos deixar de medir a massa nem outras grandezas. Além disso, se isso acontecer, não será a primeira vez que um padrão vai para reserva, uma vez que, isso já aconteceu com o metro.
Todos nós, no nosso dia a dia, fazemos uso de medidas de grandezas físicas. Todos os dias fazemos perguntas como: Quanto tempo levará esse evento? Qual é o comprimento dessa barra? Qual é a temperatura dessa água?
A forma encontrada para compatibilizar o uso das grandezas físicas e transformá-las em um instrumento útil para comunicação entre os diferentes povos foi o estabelecimento de padrões para cada grandeza.
Como algumas grandezas guardam relações entre si, nós não necessitamos de padrões para todas. Podemos considerar algumas como fundamentais e as outras serão derivadas dessas primeiras.
Para que um objeto possa ser utilizado como padrão de medida, ele deve ser acessível e invariável. Por exemplo: se você define o padrão de distância como sendo a distância entre o polegar de uma pessoa e a ponta do seu nariz, como se fazia antigamente, você obtém um padrão que é acessível, mas não é invariável e isso pode causar muitas confusões e demandas judiciais. Por isso, necessitamos de padrões que permaneçam constantes ao longo do tempo e que possam ser reproduzidos, fielmente, em todos os lugares.
O Sistema Internacional de Unidades de Unidades em vigor trabalha com sete grandezas fundamentais: comprimento – cuja unidade é o metro, massa – cuja unidade é o quilograma, tempo – que tem como unidade básica o segundo, corrente elétrica – que é medida em amperes, temperatura – cuja unidade é o kelvin, quantidade de massa – medida em moles e a intensidade luminosa- cuja unidade é a candela.
A primeira reunião para definição do padrão de medidas que hoje conhecemos como sistema métrico aconteceu em 1792, na França.
O metro foi definido como sendo a décima milionésima parte da distância do Pólo Norte ao Equador. Em virtude da dificuldade dessa definição, o metro foi imediatamente substituído pela distância entre dois traços feitos numa barra de platina – irídio. Essa barra foi guardada em um lugar seguro, apropriado para evitar desgastes e cópias exatas foram enviadas para os outros países. Essas cópias são chamadas de padrões secundários. Em cada país, esses padrões secundários são reproduzidos para o uso diário das pessoas.
A comparação entre o padrão de medida e as suas cópias era feita com o uso de lupas ou microscópios. Com o tempo, as medidas passaram a requerer mais precisão e a precisão obtida com o uso do microscópio na comparação dos dois traços tornou-se insuficiente.
Por isso, em 1960, o padrão do metro passou a ter a seguinte definição: 1 metro = 1.650.763,73 comprimentos de onda da luz alaranjada do Criptônio 86. Esse valor foi escolhido para coincidir com o padrão antigo.
Em outras palavras, aposentaram a barra do metro.
A vantagem do novo padrão é que os átomos de Criptônio 86 são disponíveis em qualquer lugar e emitem luz com exatamente o mesmo comprimento de onda. Os átomos contêm características que podem ser utilizadas como unidades naturais que por sua vez são mais seguras do que as guardadas no Bureau de Pesos e Medidas.
A precisão da medida feita com o novo padrão é da ordem de nanômetros. ( 1 nanometro corresponde a 1 bilionésimo do metro).
Com o tempo, constatou-se que as exigências de medidas necessitavam de uma precisão ainda maior do que a obtida com o comprimento de onda alaranjada do Criptônio 86. Por outro lado, as medidas da velocidade da luz passaram a ser feitas com grande precisão. Hoje, podemos afirmar que a velocidade da luz no vácuo é igual a 299.792.458 metros por segundo. A precisão com que se obtém esse valor é maior do que a precisão obtida nas medidas de distâncias feitas com base no comprimento de onda do Criptônio 86.
Por isso, a partir da 17a Conferência Geral de Pesos e Medidas, o metro passou a ter a seguinte definição: 1 metro é igual a distância percorrida pela luz no vácuo durante o intervalo de tempo de 1/2999.792.458 do segundo.
Algo semelhante ao que aconteceu com a medida de distância deverá acontecer com a medida da massa. O quilograma deverá ser substituído por algum outro mecanismo mais preciso para determinação da massa e o famoso cilindro de platina irídio será devidamente aposentado.
Quem será o substituto - é outra história.
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