SEGREDOS DA BOA SAFRA: UMA CHAVE OCULTA

SEGREDOS DA BOA SAFRA: UMA CHAVE OCULTA

José Fernandes de Lima[1]

O alto rendimento da agricultura brasileira tem sido motivo de elogios. Há quem afirme que o aumento da produção de alimentos decorre do efeito combinado de melhores variedades de cultivares, mecanização agrícola, fertilização, irrigação, proteção dos cultivos. 

A agricultura moderna faz uso de fungicidas e inseticidas para minimizar as perdas nas colheitas e herbicidas para evitar que as ervas daninhas briguem pelos nutrientes e pela água disponíveis para as plantas. Esses elementos são aplicados em quantidades relativamente pequenas. 

Por outro lado, os fertilizantes que fornecem os três macronutrientes essenciais das plantas – nitrogênio, fósforo e potássio – requerem menos energia por unidade de produção final, mas são necessários em grandes quantidades para garantir os altos rendimentos das culturas. 

O nitrogênio é necessário em grandes quantidades porque está em todas as células vivas: está na clorofila, cuja excitação potencializa a fotossíntese e está nos aminoácidos, que compõem todas as proteínas necessárias para o crescimento e a manutenção de nossos tecidos.

O elemento nitrogênio é abundante na natureza: compõe quase 80% da atmosfera, ainda assim, é um fator limitante fundamental na produtividade das lavouras, bem como no crescimento humano.

Essa é uma das grandes realidades paradoxais da biosfera, mas a explicação é simples: o nitrogênio existe na atmosfera como uma molécula não reativa (N2) e apenas alguns processos naturais conseguem romper a ligação entre os dois átomos de nitrogênio e tornar o elemento disponível para formar compostos reativos. 

O raio consegue romper essas ligações: produz óxidos de nitrogênio que se dissolvem na chuva e formam nitratos, e então as florestas, os campos e as pastagens recebem fertilizantes vindos do céu. Isso explica por que os campos ficam tão verdes depois das primeiras trovoadas. 

Mas é óbvio que esse insumo natural é muito pouco para produzir safras suficientes para alimentar as oito bilhões de pessoas do mundo.

Tendo em vista que a maior parte do nitrogênio atmosférico não pode ser diretamente absorvido pelas plantas, é preciso fazer uma suplementação mediante o uso de fertilizantes. 

São quatro as principais maneiras de disponibilização de nitrogênio:

1 – fixação abiótica – raios e descargas elétricas na atmosfera convertem nitrogênio gasoso em compostos solúveis que chegam ao solo com a chuva.

2 – nitrogênio atmosférico fixado. Algumas bactérias que vivem em simbiose com as raízes das leguminosas podem transformar o nitrogênio atmosférico em nitrogênio utilizável.

3 – matéria orgânica – a deposição de restos vegetais e animais no solo libera amônia (NH4+) e nitrato (NO3 -) formas de nitrogênio absorvíveis pelas plantas.

4 – fertilizantes nitrogenados – produtos como ureia, nitrato de amônio e sulfato de amônio são amplamente utilizados na agricultura para suplementar o nitrogênio do solo.

Na agricultura antiga, a única alternativa para enriquecer os estoques de nitrogênio do solo era coletar e esparramar dejetos humanos e animais. Esse processo é trabalhoso e ineficiente porque o teor de nitrogênio contido nos dejetos é baixo e porque o odor da amônia do esterco pode ser insuportável.  Além disso, era preciso usar mais de 10 toneladas de esterco por hectare.

A dificuldade com a falta de nitrogênio começou a ser superada no século XIX com a mineração e exportação dos nitratos chilenos, o primeiro fertilizante nitrogenado inorgânico. Um passo definitivo foi dado com a invenção da síntese da amônia por Fritz Haber, em 1909 e com sua rápida comercialização (a amônia foi exportada pela primeira vez em 1913), mas a produção cresceu de forma lenta, e a aplicação generalizada desse fertilizante só veio a acontecer depois da segunda guerra mundial. Em 1950, a amônia sintética ainda era menos comum do que o uso do esterco animal. Desde a década de 1970, o uso de fertilizantes nitrogenados tem sido ampliado significativamente. 

A reciclagem de matéria orgânica para substituir o fertilizante sintético é uma alternativa desejável, pois melhora o solo, aumenta seu conteúdo orgânico e fornece energia para os micróbios do solo. 

Ocorre que o teor de nitrogênio das “palhas”, da matéria orgânica é muito baixo. Isso implica a necessidade de aplicar grandes quantidades. O teor de nitrogênio das folhas é da ordem de 0,3% a 0,6%. O teor do nitrogênio do estrume misturado com palha fica entre 0,4% e 0,6%.

Em comparação, a ureia, hoje o principal fertilizante nitrogenado do mundo, contém 40% de nitrogênio, o nitrato de amônia tem 33% e as soluções líquidas mais usadas, podem conter de 28% e 32%.

Atualmente, pelo menos metade das safras globais são produzidas graças à aplicação de compostos nitrogenados sintéticos. 

No Brasil, a produção nacional de fertilizantes não acompanha o crescimento do agronegócio. A maior parte dos fertilizantes utilizados vem de países estrangeiros. Nós dependemos significativamente dos fertilizantes comprados da Rússia. 

A dependência dos fertilizantes nitrogenados sintéticos é tão grande que há quem afirme que é impossível manter o tamanho das safras atuais de houver redução drástica do uso de compostos nitrogenados sintéticos.

A alternativa mais favorável para a substituição dos compostos sintéticos é a expansão do cultivo de leguminosas para incorporação (fixação) de nitrogênio ao solo.

A cientista brasileira Johanna Döbereiner foi a responsável por revolucionar a agricultura brasileira ao pesquisar bactérias capazes de realizar a fixação biológica do nitrogênio atmosférico, transformando-o em um composto assimilável pelas plantas. Seus estudos foram fundamentais para o avanço do etanol no país e para colocar o Brasil como segundo maior produtor de soja do planeta.

Estima-se que o fruto de seus trabalhos permita ao Brasil economizar entre USS 1 bilhão e USS 2 bilhões todos os anos.

A pesquisa sobre fixação de nitrogênio continua sendo uma grande chave para ampliação da produção de alimentos. 



[1] Físico e Professor

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