SOBRE OS PERSONAGENS QUE PULAM PARA A VIDA REAL
SOBRE OS PERSONAGENS QUE PULAM PARA VIDA REAL
José Fernandes de Lima[1]
Tenho notado que alguns personagens estão pulando da literatura tradicional para as páginas das colunas sociais.
As notícias que aparecem nos jornais e nas revistas dão a impressão de que estamos falando de alguém conhecido ou de alguma celebridade.
A título de exemplo, vou citar alguns nomes.
O primeiro é o PIB. Os jornais falam do PIB como quem fala de uma criança e outras vezes, como quem fala de um idoso. Dizem: esse ano, o PIB cresceu bastante ou esse ano o PIB já cresceu mais de 2%. Quem lê essa notícia pode pensar que estão falando de uma criança.
Outro dia, dizem: o PIB caiu. Eu quando ouço essa notícia, fico imaginando o coitadinho escorregando na calçada. Vai ver, ele andou passeando nas calçadas irregulares de alguma capital brasileira.
Há outro personagem cuja fama de mal-humorado o torna muito importante. É um tal de Mercado.
Quase toda semana, ouvimos notícias do tipo: o Mercado anda muito nervoso. O Mercado não está gostando nada disso. O Mercado não admite esse tipo de comportamento do governo. O governo – coitado – não pode nem fazer uma besteirinha que o Mercado já fica inquieto.
Não conhecemos as suas feições, não sabemos as roupas que usa, nem onde mora. O que sabemos é que ele não gosta de aumento de salários, não quer nem ouvir falar de aumento de gastos públicos.
Sabemos também que ele é poderoso e que os presidenciáveis vivem rebolando para agradá-lo.
Há duas irmãs que, ao serem citadas, trazem à nossa cabeça uma cena de baile antigo.
São elas, a Ficha Limpa e a Ficha Suja. A Ficha Limpa é aquela irmã bem-comportada, discreta, calma, meio sem sal e a Ficha Suja é aquela voluptuosa, dada, solta, que dança de acordo com a música.
Isso talvez explique por que alguns indivíduos são atraídos pela Ficha Suja, mas não gostam de mostrá-la em público.
Tem um personagem que lembra uma megera.Quando nós ouvimos falar nela, imaginamos logo uma bruxa, ranzinza e capaz de colocar gosto ruim em tudo.
O pessoal da esquerda tem essa personagem em péssima conta.
O leitor já deve ter adivinhado que estamos falando da Zelite. Já deve ter ouvido alguém dizer que a Zelite é retrograda, não quer que a educação melhore, atrapalha o desenvolvimento do país e trabalha em favor do atraso.
Esse caso é interessante porque, no início, o nome era pronunciado e escrito no plural – dizíamos as Zelites. O tempo foi passando e elas foram consolidadas numa pessoa só, hoje conhecida como Zelite.
Se algum dia decidirmos colocá-la no rol das personagens do bem, talvez tenhamos que sofisticar o seu nome – quem sabe, passa a ser Zellitte, com dois “l” e dois “t”.
Há uma personagem que é quase uma unanimidade em termos de má fama. É a Mídia Golpista.
Antigamente, falar mal da Mídia Golpista era privilégio da esquerda. Hoje, esquerda e direita estão juntas quando o negócio é criticar tal personagem. Ambas concordam que a Mídia Golpista é do mal, que ela deforma as notícias e está sempre a serviço de outro personagem muito importante, que prefere agir na surdina, chamado de Poder Econômico. Como muitos dizem, esse sim, é um bicho papão. Não perde a oportunidade de explorar as pessoas.
Ao lado de tantas personagens cujo prestígio aumenta seguidamente, há pelo menos uma cujo prestígio só decresce. É a coitada da Opinião Pública.
Os jornais informam que a Opinião Pública não tem sido levada em consideração, tem sido desprezada, desvalorizada. Ninguém presta atenção ao que diz a Opinião Pública. Seria melhor até que ela não se pronunciasse.
Todos os dias, nós encontramos personagens tentando pular a fronteira da ficção para vida real. Nem todos com o mesmo sucesso.
Nos últimos anos, os jornais começaram a falar que a Terceira Via estava chegando para modificar o quadro eleitoral e redefinir os destinos da política nacional.
Apesar do número crescente de notícias sobre o mesmo tema, verificamos que o personagem ainda não conseguiu definir uma cara própria. Ninguém sabe dizer o que ela pensa nem o que ela defende.
Isso significa dizer que a anunciada Terceira Via ainda não se solidificou ou não conseguiu transpor a fronteira para o mundo real.
A pandemia trouxe à tona um novo personagem que está ocupando lugar de destaque no cenário nacional.
Os jornais e os canais de notícias já se referem a ela como personagem e já falam que ela tem opinião, que deve ser ouvida e levada em consideração. Dizem que se nós não aprendermos a ouvi-la teremos sérios problemas, no futuro. Dizem até que aqueles que não seguem os seus ensinamentos podem causar danos à sociedade.
Essa nova personagem é a conhecida Ciência.
Nós sabemos o que ela pensa e o que ela defende e já conhecemos algumas vantagens de seguir os seus ensinamentos.
Embora apresente algumas vantagens competitivas, a Ciência não tem o poder de interferir no gosto dos governantes, como tem o Mercado.
Por isso, prevalece a dúvida sobre que espaços o país reservará para as suas opiniões.
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