O TAMANHO DA HORA

Esse artigo foi publicado no Jornal O DIA, de Sergipe, no dia 10 de novembro de 2011.


O tamanho da hora

José Fernandes de Lima[1]

Quem trabalha com educação convive com uma definição pouco precisa quando trata da chamada hora aula que, diferentemente da hora comum, pode ter durações variadas.

Dias atrás, eu estava discutindo com uns colegas do ramo da educação sobre a carga horária mínima que deve ter determinado curso quando um deles levantou a preocupação com a necessidade de deixarmos claro que o número de horas que estávamos estabelecendo referia-se a horas completas e não horas-aula que podem ter duração variável, de acordo com o interesse de cada escola. Para evitar que a hora utilizada no documento fosse confundida com hora aula, foi sugerido que usássemos o termo hora de relógio.

Não sei exatamente porque, mas a expressão hora de relógio me soou esquisita e eu fiquei com essa preocupação na cabeça.

Hoje, mesmo sabendo que não esgotarei o assunto, resolvi especular um pouco sobre a história das medidas de tempo.

A vida corrida das cidades faz com que estejamos sempre olhando para o relógio na expectativa de que possamos chegar sem grandes atrasos, seja no trabalho ou na reunião que já está começando. Em algumas culturas, o compromisso com o horário é mais forte do que em outras, mas, de um modo geral, a pressão pelo cumprimento dos horários está aumentando em todas as comunidades.

Nós estamos tão acostumados com essa ideia de tempo medido no relógio que nem nos damos conta que esses conceitos nem sempre tiveram o mesmo significado e a mesma importância.

Muitas pessoas entendem o tempo como alguma coisa que flui por conta própria independentemente dos fatos e dos objetos. Acreditam que o tempo que medimos no relógio é uma coisa absoluta. Chegam a pensar que uma modificação no calendário pode causar o encurtamento ou o alongamento das suas vidas.

Em 1792, o governo britânico resolveu alterar o calendário para fazê-lo coincidir com o que já tinha sido adotado na maioria dos países da Europa Ocidental. Para isso, decretou que o dia seguinte ao dia 2 de setembro deveria ser registrado como 14 de setembro. Os trabalhadores entenderam que estavam perdendo 11 dias e isso provocou uma mobilização tão grande que acabou com a morte de várias pessoas.

Ainda hoje, temos pessoas que agem de forma semelhante quando tomam conhecimento do horário de verão. Estão convencidas que ganham ou perdem uma hora das suas vidas.

Até a descoberta de que no mesmo momento em que estamos nos preparando para jantar, em outros lugares alguém está simplesmente tomando o café da manhã parece estranha para algumas pessoas. Uma parte significativa dessa confusão está relacionada com a maneira que escolhemos para medir o tempo e relacioná-lo com a nossa vida.

O horário que seguimos na nossa vida civil é baseado na rotação da Terra, que nos dá o nosso dia do mesmo modo que o movimento em torno do Sol nos dá o ano civil.

Daria diferença se ao invés de morarmos na Terra morássemos na Lua e adotássemos a mesma definição? A resposta é sim. O tempo de rotação da Lua em torno do seu eixo é aproximadamente 30 vezes maior do que o tempo de rotação da Terra. Desse modo, o dia na Lua teria uma duração de um mês.

O modo como o dia terrestre é dividido em horas, minutos e segundos é puramente convencional. O mesmo acontece com a decisão sobre o dia começar na aurora, ao nascer do Sol ou à meia noite. É uma questão de convenção.

A ideia de contagem do tempo é muito antiga e antes de referir-se aos números que hoje adotamos o tempo já foi medido pelo número de determinados fenômenos naturais ou acontecimentos sociais, tais como as enchentes dos rios ou mesmo a posse de um faraó. Convém destacar que, em algumas comunidades, o tempo era contado em ciclos. No Egito, o tempo era contado segundo o reinado de cada faraó. Cada vez que um deles subia ao trono a contagem era reiniciada.

 As primeiras “medidas” de tempo parecem remontar o momento em que o homem se deu conta de que existem fenômenos que se repetem com regularidade. Todo indica que os fenômenos dia e noite foram os primeiros observados. O homem se deu conta da regularidade do aparecimento e desaparecimento do Sol, da repetição da sequência dos dias e noites e a partir daí começou a contar o número de dias ou de noites. Na mesma sequencia de raciocínio, deve ter percebido as fases da Lua, os períodos de inverno, a queda das folhas das árvores no outono e os períodos de enchentes dos rios.

Foi no Egito antigo que o homem começou a querer dividir o dia em períodos menores. Inicialmente, os dias e as noites foram divididos cada um em 12 horas que eram medidas desde o amanhecer até o por do Sol. Uma vez decidido que o dia deveria ser dividido em intervalos menores de tempo, teve inicio a busca de instrumentos que pudessem ajudar nessa identificação.

Foi assim que nasceram os primeiros relógios de Sol. O relógio de Sol consiste de uma haste instalada de forma tal que o comprimento de sua sombra varie no decorrer do dia. Para medir o tempo durante a noite, foi inventado o relógio de água que consiste basicamente de um recipiente que recebe água através de um fluxo contínuo e é graduado de modo que as marcações coincidem com o número de horas decorridas.

Os períodos de luz solar e da noite eram divididos em 12 horas cada. Isso significava que as horas do dia e as da noite tinham durações diferentes e variavam de acordo com as estações do ano. Vale lembrar que no verão os dias são mais longos e no inverno são mais curtos.

O relógio mecânico foi inventado por volta do final do século XIII. Nessa época, pouca gente tinha interesse em relacionar as horas com suas vidas diárias. Uma importante consequência da introdução dos relógios mecânicos foi a adoção da hora uniforme de 60 minutos. A indústria têxtil foi uma das primeiras a utilizar a hora de 60 minutos em substituição ao dia de trabalho como metida de tempo.

O dia civil é definido como o tempo necessário para o sol cruzar sucessivamente o mesmo meridiano. A hora é o intervalo de tempo correspondente a 1/24 do dia. O minuto é definido como sendo igual a 1/1440 do dia e o segundo como igual a 1/86400 do dia.

Para o uso diário e para alguns poucos objetivos científicos a determinação da hora com a precisão de minutos já pode ser suficiente. Para outros fins científicos, a precisão requerida é muito maior.

Para dar conta dessas exigências, os relógios têm sido continuamente aperfeiçoados. Os padrões de medida de tempo utilizados atualmente baseiam-se na frequência de oscilação de determinados átomos. Esse é o caso do relógio de Césio 133. De acordo com esse padrão: O segundo é o tempo que a luz emitida pelo átomo de Césio 133 (para um dado comprimento de onda) leva para completar 9.192.631.770 vibrações. Cada conjunto de 9.192.631.770 oscilações corresponde a 1 segundo.

Um relógio baseado nessa tecnologia tem uma precisão de 1 segundo por 6.000 anos, ou seja, dois relógios desse tipo podem funcionar durante 6.000 anos sem que a diferença entre eles ultrapasse 1 segundo.

As discussões sobre medidas de tempo têm guardado um vínculo tão estreito com os aperfeiçoamentos do relógio que a expressão hora de relógio soa como um pleonasmo. Deve ter sido isso que me causou estranheza.





[1] Físico e Professor

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