EDUCAÇÃO MIDIÁTICA E LETRAMENTO DIGITAL

EDUCAÇÃO MIDIÁTICA E LETRAMENTO DIGITAL

José Fernandes de Lima[1]

O Senado Federal aprovou o projeto de lei que regulamenta o uso de aparelhos celulares por estudantes em escolas de educação básica. Durante a tramitação do projeto, os parlamentares demonstraram a preocupação com os impactos que os celulares podem causar no desempenho acadêmico dos estudantes e na disciplina escolar.

Alguns educadores entendem que as medidas determinadas por lei são insuficientes para o enfrentamento da questão e precisam ser ampliadas na perspectiva do desenvolvimento de uma educação midiática e em busca do letramento digital.  

É do conhecimento popular que a revolução tecnológica, impulsionada pelo avanço da internet e das redes sociais, tem moldado não apenas o comportamento individual, mas também a dinâmica social, política e econômica. 

Houve uma mudança na forma como as informações são produzidas e como são distribuídas para a população, em geral.  O que antes era proveniente de poucos canais de informação e lazer, agora deve-se a uma variedade de opções para entretenimento, notícias e expressão social. Muitas pessoas deixaram de ser meras expectadoras e passaram também a produzir conteúdos nas plataformas.

A transformação do ecossistema comunicacional reforçou assimetrias e relações de dominação na sociedade brasileira. A desigualdade socioeconômica impacta profundamente a capacidade de atuação das pessoas no ambiente digital.

Apesar das condições adversas impostas pela falta de condições materiais, cabe destacar a resiliência das comunidades da periferia que conseguem usar as redes de comunicação para expressar sua arte e sua cultura. Esse é um aspecto crucial que precisa ser considerado pelo governo na elaboração das políticas públicas.

As redes sociais decidem o que vamos receber, oferecendo recortes da realidade que podem influenciar ou manipular opiniões e comportamentos. Os algoritmos inteligentes alimentados por nossos dados pessoais atuam no sentido de maximizar o tempo que nós gastamos diante das telas. Aproveitam o conhecimento que adquirem sobre nós para nos enviar mensagens publicitárias específicas, de alto poder de convencimento.

Neste contexto, a preparação do cidadão para sobreviver no ecossistema digital dinâmico e competitivo resulta numa urgência que precisa ser atendida. 

Faz-se necessário desenvolver uma educação midiática que funcione como uma ferramenta capaz de preparar os jovens para o uso consciente e crítico das mídias, proporcionando-lhes as habilidades críticas e criativas necessárias para navegar em um ambiente digital complexo e em constante transformação. A educação midiática envolve a capacitação dos indivíduos para entender, analisar, avaliar e criar mensagens em uma variedade de formas de mídia.

A abordagem desse tema requer que os educadores desenhem novas experiências de aprendizado que sejam dinâmicas e interativas.

Os especialistas que trabalham nas Big Techs reconhecem que os conteúdos que provocam maior engajamento são aqueles sensacionalistas e provocadores de ódio. No entanto, continuam a promover esses conteúdos porque eles aumentam o engajamento e o tempo de tela. Desse modo, o mesmo ambiente digital que foi feito para possibilitar a participação das pessoas e gerar oportunidades, agora está se tornando um campo fértil para conteúdos nocivos e a propagação do ódio.

A propagação de mensagens de ódio e de desinformação é prejudicial para toda a população, pois polariza as discussões e desgasta as relações entre as pessoas, inclusive no âmbito familiar. O ecossistema da desinformação e do discurso de ódio traz também como consequência o descrédito da imprensa profissional e da ciência.

A exclusão digital e os efeitos dos conteúdos nocivos que inundam as redes atingem sobretudo os segmentos mais vulneráveis da sociedade e/ou com menos acesso à conectividade. Comunidades formadas por populações rurais, indígenas, quilombolas, favelas e periferias, também são aquelas que sofrem com maior intensidade as consequências da desinformação. 

Diante de tal cenário, cabe à sociedade ir além da proibição de celulares nas salas de aula. É preciso reagir através da criação de políticas públicas consistentes voltadas para a diminuição das desigualdades e da promoção de direitos.

Nesse sentido, a iniciativa tomada pelo Governo Federal ao criar a denominada Estratégia Brasileira de Educação Midiática (EBEM) merece ser analisada.

O documento lançado em 2023 define que a Estratégia Brasileira de Educação Midiática tem a missão de: promover habilidades e competências em crianças, adolescentes, adultos e pessoas idosas para compreensão, análise, engajamento e produção crítica na experiência com canais de mídia digital e da informação de forma criativa. 

Segundo o mesmo documento, a Expressão “educação midiática” é empregada para designar um conjunto de movimentos que fazem uso de estratégias e ferramentas multidisciplinares. Inclui o desenvolvimento de um conjunto de habilidades de natureza crítica que se relacionam com diversos momentos na experiência da tecnologia e da informação, possibilitando a participação no ambiente digital de forma criativa, reflexiva e saudável. Todas as mídias devem ser consideradas na educação midiática.

Entende-se que pessoas midiaticamente educadas compreendem a importância da pluralidade de vozes em circulação e compreendem sua responsabilidade ao interagir com informações, seja como consumidores ou produtores.

Desse modo, a educação midiática tem o potencial de promover um maior diálogo intercultural e a promoção da diversidade. Ela permite aprofundar a compreensão sobre liberdade de expressão em sua dimensão individual e coletiva e sobre a responsabilidade ética dos meios de comunicação. Ela permite que as pessoas aprendam a perceber suas responsabilidades como produtoras de conteúdo e sejam capazes de avaliar criticamente a confiabilidade das informações às quais recorrem, para refletir se suas escolhas podem reforçar ou questionar valores, preconceitos e injustiças.

Esse tema precisa ser levado para as escolas de educação básica, pois é essencial que se dê atenção à formação de gestores e educadores para que a escola possa desenvolver os temas da educação para as mídias de forma integrada ao currículo, transversalmente, promovendo também uma maior aproximação entre aprendizagem e a cultura digital.

Precisamos evoluir para a conceituação do chamado  “letramento digital”, pois esse nível de compreensão tornou-se fundamental para o desenvolvimento de cidadãos críticos. O letramento digital é mais do que apenas o domínio técnico de ferramentas, envolve a compreensão crítica das informações e a capacidade de criar, remixar e compartilhar conteúdos. 

O letramento digital e a educação midiática devem ser tratados nas escolas de educação básica, devem ir além do uso instrumental das tecnologias e devem capacitar para a análise crítica e o engajamento ético.



[1] Físico e Professor

Comentários

  1. Gostei muito. O texto apresenta ideias que vão além da proibição de celulares

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