Uma trajetória recente da educação básica brasileira (I)
O artigo a seguir, dividido em dois blocos, faz parte de um documento que escrevi. No meu entendimento, os assuntos aqui tratados devem ser considerados sempre que formos fazer a análise do desempenho de um sistema educacional municipal ou estadual. Por isso, resolvi colocá-lo nesse espaço.
Uma trajetória recente da educaçao básica brasileira
Diferentemente da pós-graduação que é tida como um sistema exitoso, a educação básica brasileira tem sido alvo de críticas por parte de diversos setores da sociedade.
O documento intitulado “O Ensino de Ciências e a Educação Básica: propostas para superação da crise”, da Academia Brasileira de Ciências, afirma no seu capítulo inicial que “a universalização desejada no ensino fundamental, alavancada através de um esforço de vários governos, e que se constituiu, portanto, em uma verdadeira política de Estado, foi acompanhada de uma deterioração crescente desse nível de ensino, levando a uma situação que prejudica o desenvolvimento do País, corrói a democracia e gera um grande número de jovens com péssima formação e com alternativas limitadas de inserção na sociedade brasileira.”
Após fazer referências às taxas de matrícula no ensino fundamental e no ensino médio, o referido documento afirma que a correção do quadro atual requer um esforço continuado que deve ser, por isso mesmo, resultante de uma política de Estado, fruto de um consenso sobre o caráter altamente prioritário dessa ação.
Outro documento produzido pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social afirma que: “O nível de escolaridade da população brasileira é baixo e desigual. Persiste um elevado contingente de analfabetos reforçando a desigualdade. São mais de 14 milhões de analfabetos. O acesso à educação infantil ainda é restrito. Somente 17,1% das crianças de 0 a 3 anos freqüentam as creches e apenas 70,1% das crianças de 4 a 5 anos estão na pré-escola. O percentual de conclusão do ensino fundamental é baixo e o atendimento aos alunos com necessidades especiais é insuficiente. Os níveis de acesso, permanência, desempenho e conclusão do ensino médio são insuficientes. O acesso ao ensino superior é restrito. É muito baixo o percentual de jovens com idades entre 18 a 24 anos matriculados no ensino superior. A oferta de educação profissional técnica de nível médio e de articulação com a formação profissional continuada são insuficientes.”
Na mesma linha crítica, é comum encontrarmos na imprensa citações do baixo desempenho dos alunos brasileiros nos testes do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) como uma prova da baixa qualidade da educação básica.
Numa postura mais otimista, o relatório Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009 – O Direito de Aprender: Potencializar avanços e reduzir desigualdades, produzido pela UNESCO, inicia-se afirmando que “As estatísticas apresentadas ao longo desta publicação revelam um quadro muito melhor que o de alguns anos atrás. Todos os indicadores que medem as oportunidades de acesso, permanência, aprendizagem e conclusão da educação básica melhoraram”. Depois passa a apontar as desigualdades que o país precisa superar, especialmente as regionais, étnico-raciais, socioeconômicas e também aquelas relacionadas à inclusão de crianças com deficiência; além disso registra que o atendimento ainda é insuficiente para as crianças de até 5 anos na educação infantil e para os adolescentes de 15 a 17 anos no ensino médio.
Esse leque de opiniões sugere que uma avaliação mais detalhada da situação da educação básica não pode deixar de considerar as transformações que essa etapa educacional vem sofrendo na sua recente trajetória.
O conceito de qualidade da educação é uma construção histórica que assume diferentes significados em tempos e espaços diversos e tem a ver com os lugares de onde falam os sujeitos, os grupos sociais a que pertencem, os interesses e valores envolvidos e os projetos de sociedade em jogo. (Parecer CNE/CEB no 11, de julho de 2010).
O conceito de qualidade adotado atualmente parece muito mais abrangente do que o utilizado no passado e impõe que a educação, para ser considerada de qualidade, deve preencher um leque significativamente grande de atribuições, dentre elas a de garantir o acesso e a permanência dos alunos à escola, promover as aprendizagens significativas do ponto de vista das exigências sociais e de desenvolvimento individual, atender às necessidades e às características dos estudantes de diversos contextos sociais e culturais, com diferentes capacidades e interesses e tratar de forma diferenciada os estudantes, com vistas a obter aprendizagens e desenvolvimentos equiparáveis, assegurando a todos a igualdade de direito à educação.
No Brasil a preocupação com a educação pública só passou a fazer parte da agenda nacional no início do século XX. O nascimento da República trouxe consigo a idéia da construção de um sistema educacional capaz de alavancar o desenvolvimento do país. Mesmo nesse clima, excelentes iniciativas como a que resultou no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, não foram suficientes para transformar a educação numa prioridade nacional.
A prática de uma educação excludente, levada a efeito durante muitas décadas, resultou no acúmulo de um grande contingente de analfabetos e numa taxa média de escolarização inferior à necessária para o desenvolvimento do país. Nos últimos anos, esse posicionamento vem sendo modificado objetivando-se tornar a educação mais acessível para todos. O conhecimento dessas modificações pode ser útil para o entendimento da complexidade do problema.
Do ponto de vista legal, tivemos modificações significativas a exemplo da promulgação da Constituição Federal de 1988, quando a mesma definiu no seu artigo 205 que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
O artigo 206 registrou os princípios que devem reger essa nova educação, sendo que o ensino ministrado terá como base:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;
VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII – garantia de padrão de qualidade;
VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos da lei federal.
Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Os constituintes foram além e, no artigo 208, deixaram registrada a forma como o dever do Estado deve ser efetivado, mediante a garantia de:
I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;
II – progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV – educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;
V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII – atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;
Parágrafo 1o - O acesso ao ensino público e gratuito é direito público subjetivo.
Parágrafo 2o - O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
Parágrafo 3o - compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.
A presença dessas orientações na Constituição Federal foi determinante para que fossem tomadas outras atitudes no sentido de atingir o grande objetivo de oferecer uma educação de qualidade para todos.
Em dezembro de 1996, foi aprovada a Lei no 9.394, que estabeleceu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), incorporou as idéias definidas na Constituição Federal e definiu orientações para viabilizar as transformações propostas naquele texto legal.
(CONTINUA....)
posta a outra parte do texto pra gente ler! : )
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