SOBRE O LEITE DE CAIXINHA

SOBRE O LEITE DE CAIXINHA

 

José Fernandes de Lima[1]

 

Ainda era tempo de aglomeração, quando presenciei a discussão de dois colegas sobre a qualidade do leite. Um deles explicava que o processo utilizado para conservar o leite é muito eficiente, enquanto o outro dizia que o leite de caixa era um leite deturpado e cheio de conservantes. Esse último afirmou ainda que preferia beber leite embalado no saco plástico e leite natural. Num determinado momento, a conversa foi interrompida como geralmente acontece nos grandes grupos, o assunto mudou e eu fiquei sem saber quem venceu a contenda.

Naquela ocasião, eu me abstive de participar da discussão porque a mesma já estava bem estabelecida, mas fiquei com o assunto na cabeça e cheguei à conclusão que seria um bom tema a ser trazido aos nossos leitores. Se não for por outro motivo, será porque o Brasil ocupa o sétimo lugar na lista dos maiores produtores de leite do mundo. 

O leite in natura é um produto muito perecível. Se você coletar o leite e não fizer nenhum tratamento, depois de algum tempo ele fica azedo, ou seja, fica impróprio para o consumo. O azedamento do leite resulta da ação de microorganismos.

Para que o leite seja consumido nas grandes cidades, longe do local de produção, ele necessita passar por algum tipo de tratamento. Mesmo no interior, as pessoas costumam ferver o leite para evitar que ele estrague. 

Os mais antigos devem lembrar daquela panela que você colocava no fogo e tinha que ficar tomando conta e, diante do menor descuido, o leite subia e derramava. 

Seja como for, os nossos avós já sabiam que o leite fervido demora mais para azedar do que o leite natural. O problema do leite fervido é que ele modifica as propriedades e o sabor.

Um processo que elimina os microorganismos responsáveis pelo azedamento do leite sem modificar as propriedades organolépticas é a pasteurização. Um processo que foi inventado, em 1864, pelo cientista francês Louis Pasteur. A pasteurização consiste em elevar a temperatura do produto até uma temperatura suficiente para eliminar os microorganismos indesejáveis, sem alterar o sabor e sem alterar o valor e nutritivo do produto.

Na prática, na hora de efetuar o processo, é necessário jogar com a temperatura e com o tempo de modo a eliminar os microorganismos que se quer eliminar, sem modificar o sabor e as propriedades alimentícias. No Brasil, a pasteurização é regulamentada por lei. 

Há três tipos básicos de pasteurização. A pasteurização lenta, também conhecida como LTLT, acontece em baixas temperaturas, por longo tempo. Nesse processo, a temperatura chega a 63 oC por um tempo de 30 minutos. Na pasteurização rápida- HTST (temperatura alta por tempo certo), o leite é aquecido a uma temperatura entre 72 oC a 75 oC, por um tempo de 15 minutos. A pasteurização ultra rápida, conhecida como UHT - ultra alta temperatura – é o processo no qual a temperatura atinge de 130ºC a 150ºC por um período de 3 a 5 segundos. Cabe lembrar que, quando dizemos que o leite é aquecido a 130º C por 3 segundos, está implícito que, em seguida, ele é resfriado rapidamente. 

Leite longa vida é uma classificação especial, que se refere ao leite que pode ser preservado em temperatura ambiente por mais quatro meses. O leite longa vida dispensa o uso de conservantes e preserva as qualidades naturais do produto. É popularmente conhecido como leite de caixa ou leite de caixinha.

A obtenção do leite longa vida requer o uso de tecnologia, tanto no tratamento, como no acondicionamento do produto.

Os equipamentos utilizados para promover o aquecimento e resfriamento controlado do leite são dispendiosos e dificilmente estão disponíveis para os pequenos produtores. 

O acondicionamento também demanda investimentos e tecnologia. A embalagem utilizada no leite de caixinha é uma embalagem especial. Para garantir a durabilidade do produto, a embalagem necessita ser capaz de evitar o contato do leite com microorganismos vindos do exterior, capaz de evitar a entrada de luz e o contato com o ar. Por isso, as paredes das caixas são feitas pela superposição de finas camadas plástico, papel-cartão e alumínio. 

Essa tecnologia é de propriedade de uma empresa sueca chamada TetraPak, que abastece mais de 160 países e é uma importante fonte de renda daquele país. 

Embora seja mais cara do que os saquinhos plásticos de antigamente, a embalagem de caixinha apresenta a vantagem de ser 100% reciclável, dispensar o uso de refrigeração e proporcionar uma grande economia de energia.

Há novidade na praça. Alguns produtores estão vendendo leite num novo tipo de garrafa plástica, que pretende ser mais barata do que as tradicionais caixinhas. 

É a tecnologia a serviço dos negócios.  

 



[1] Professor Emérito da Universidade Federal de Sergipe, Presidente da Associação Sergipana de Ciência (ASCi), membro da Academia Sergipana de Educação.

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